São Paulo, terça-feira, 14 de novembro de 2006

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SONINHA

Estraga-prazeres?


Ao denunciar as mazelas do futebol, a mídia procura assegurar a transparência que garante o prazer dos fãs


NO CONCURSO de blogs promovido pela Deutsche Welle (rede estatal alemã que produz conteúdo de TV, rádio e internet para o público estrangeiro), foram premiados vários blogs com conteúdo político ou "consciência social".
Não era um pré-requisito, mas característica de muitos concorrentes. O grande vencedor foi o da Sunlight Foundation (EUA), que briga por mais transparência na administração pública e é especialmente vigilante em relação ao Congresso americano -alguns temas abordados por eles recentemente foram emendas ao orçamento e nepotismo.
Na categoria Melhor Blog Corporativo (feito por alguém contratado por uma empresa de comunicação), o vencedor foi um russo sobre futebol que aborda não só o esporte em si como também os bastidores -o que inclui corrupção, manipulação de resultados e temas afins.
Para alguns membros do júri internacional, composto por representantes de dez países, foi surpreendente. Não o fato de haver corrupção no futebol russo, claro, mas de um blogueiro "corporativo" denunciá-la. Um jurado da França disse que os jornais de lá nem sequer trazem notícias negativas sobre a qualidade do campeonato -sobre a qual ele fez uma careta- quanto mais sobre os bastidores...
Pode ser que ele sofra do mal de que padecemos às vezes (desvalorizar ou ser crítico demais sobre o que é nosso), pode ser que não acompanhe tão de perto o trabalho da mídia esportiva e esteja sendo injusto, mas o outro francês presente não o contestou. Ao contrário. Acrescentou que nem a mídia nem os leitores parecem muito interessados no assunto; na verdade, os veículos acreditam que perderiam audiência se tratassem dessas coisas desagradáveis.
Me surpreendi com essa postura da mídia francesa, mas não fiquei muito impressionada com o Juca Kfouri russo por motivos óbvios -na Folha, no UOL e na ESPN, por exemplo, muitos abordam a política e a politicagem, a (má) administração, a (precária) estrutura, (a falta de) planejamento e as (suspeitas) finanças do futebol.
Curiosamente, o chinês do júri também não se impressionou. "Essa área não sofre com a censura como as outras, então todo mundo que fala de esporte se esbalda de falar sobre desvios e corrupção... Quando mais fizer denúncias, mais popular é o jornal". O mundo é uma caixinha de surpresas...
No Brasil, não falta quem ache, como os franceses, que a cobertura das mazelas tem o efeito estraga-prazeres, mas felizmente boa parte do público prefere saber o que acontece -como o triste caso de falsificação da certidão de Carlos Alberto. O problema tem raízes profundas, agarradas na idéia de que no-desespero-vale-tudo e na disposição de alguns para enganar os outros. Mesmo assim -ou por isso mesmo- as autoridades no futebol têm de redobrar sua atenção.
É ótimo que Luiz Zveiter parta para cima do cartório responsável pela fraude. Mas a CBF (que já se intitulou "mero cartório de registros" para escapar de cobranças relativas à organização do Campeonato Brasileiro) continua incapaz de detectar uma fraude grosseira ligada a um atleta de seleção. Se não imaginava que um atleta da sub-20 poderia ter um documento falso, é culpada por não imaginar...
A esperança é que se procure melhorar o controle da documentação dos atletas e o acompanhamento de sua vida social -não pelo lado da coluna social, mas da sua formação, vida familiar e rede de relações profissionais, para se detectar prontamente problemas e desvios e, mais importante, evitar que aconteçam. Vale para o futebol e vale para outros setores... A mídia aqui estará atenta, em jornais, TVs, rádios e blogs.

soninha.folha@uol.com.br


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