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São Paulo, domingo, 14 de dezembro de 2003

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FUTEBOL

A verdade dos treinadores

TOSTÃO
COLUNISTA DA FOLHA

Milan e Boca Juniors decidem nesta manhã o título do Mundial interclubes. O time italiano é muito melhor individualmente, mas não costuma impor sua superioridade. Os seus jogos são quase sempre difíceis. O Milan não arrisca nem encanta. Como tem muitos craques e uma excepcional defesa, geralmente vence. Porém não será surpreendente uma vitória do Boca, uma equipe também eficiente.
Tentei entender por que o técnico Carlo Ancelotti não escalava o Rivaldo nem na reserva. Possuo o defeito (ou virtude) de procurar compreender a lógica do outro, mesmo quando ela não me agrada e seja absurda.
No meio-campo e no ataque, o desenho tático do Milan é igual ao da seleção brasileira e ao do Cruzeiro, com uma linha de três armadores mais defensivos e um meia na ligação com os dois atacantes.
Imagino que, na visão estreita do Ancelotti e da maioria dos técnicos europeus, as funções têm de ser bem definidas e não podem ser misturadas. Atacante tem de se movimentar para os lados e em direção ao gol.
Para o técnico italiano, Rivaldo não é atacante porque recua para armar as jogadas. Essa seria a função do meia de ligação. Daí a preferência do Ancelotti pelo medíocre centroavante dinamarquês Tomasson ao Rivaldo, para a reserva de Inzaghi e Schevchenko, dois excelentes atacantes. Se o Tomasson tiver sido o herói da final do Mundial, nada muda.
O técnico do Milan não percebeu que uma das grandes qualidades de um time é ter jogadores que trocam de posição durante a partida. Isso confunde a marcação. O atleta precisa ter uma função definida, de referência, o que não significa que tenha de atuar fixo.
Para Ancelotti, Rivaldo não é também um bom meia de ligação, como Kaká e Rui Costa, porque não marca quando o time perde a bola e demora muito para soltá-la. Os técnicos italianos detestam a troca de passes e o futebol cadenciado. Kaká tem procurado passar rápido a bola, mais do que fazia no São Paulo.
Demorar com a bola é realmente uma deficiência do Rivaldo. Mas, às vezes, é preciso segurá-la e esperar o momento certo para fazer uma jogada mais contundente.
Na partida de quarta-feira pela Copa dos Campeões da Europa, Kaká jogou no ataque porque os titulares já tinham viajado para enfrentar o Boca Juniors. Ele marcou um belíssimo gol. Na posição de atacante, Kaká recuava para armar as jogadas e chegava à frente, do jeito que o Rivaldo atua e que o Ancelotti não gosta. Isso vai confundir a cabeça do treinador.
Assim como Parreira, o técnico italiano também não quis retirar um dos três volantes e escalar o Rivaldo ao lado do Kaká ou do Rui Costa e mais dois atacantes. Kaká e Rui Costa chegaram a jogar juntos em alguns momentos, atuaram bem, mas o Ancelotti não gostou. Isso confronta com os seus dogmas e teorias. Uma teoria é boa até ser desmentida na prática. Aí arruma-se outra.
A verdade de um técnico ou de qualquer profissional é no máximo uma das verdades. Há outras, às vezes muito melhores. Temos dificuldades em aceitar isso. Somos orgulhosos e prepotentes.

A elite vai ao campo
Márcio Braga, novo presidente do Flamengo, criticou o diretor-executivo da Globo Esportes, Marcelo Campos Pinto, que teria dito num seminário promovido pela FGV (Fundação Getúlio Vargas) ser favorável à elitização do futebol, com ingressos a preço de teatro.
Se subirem os preços dos ingressos e melhorarem os estádios, provavelmente as classes média e alta irão mais ao campo, e isso poderá aumentar a receita dos clubes. Os pobres terão de assistir às partidas pela televisão.
O futebol nos estádios é ainda a única diversão acessível aos pobres. Querem acabar com ela. A solução não é por aí, e sim melhorar os estádios e cobrar preços variados. Mas todo cidadão, pobre ou não, tem o direito de ir ao campo em ônibus confortáveis, de ter segurança, de poder se sentar em lugares marcados, de utilizar banheiros limpos e de comer em lanchonetes decentes. Tudo isso está no Estatuto do Torcedor.
Os que quiserem se sentar em poltronas de veludo, comer em restaurantes com ar condicionado, assistir aos jogos em camarotes dentro dos estádios e outras mordomias, que paguem muito caro por isso.

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tostao.folha@uol.com.br


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