São Paulo, sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

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XICO SÁ

O sentido de estar no jogo


Seja para torcer, secar, nada como ver "in loco" uma partida, para aprender o sentido do duelo, na derrota ou na glória


AMIGO TORCEDOR , amigo secador, onde queres Boca Juniors, como no sonho bolivariano da Libertadores, te mandam o bravo Araripina. Assim é o futebol, seus caprichos e suas trapaças. Mas foi por lá, na Ilha do Retiro, ex-Ilha de Lost, que começamos a jornada de corpo presente pelos Estaduais.
E juro, os argentinos não dariam tanto trabalho como deu o bode do Araripe, apelido do estreante no pernambucano. O corvo Edgar também debutava no caldeirão rubro- -negro, lugar onde nunca permiti que pusesse as garras. Quem manda passear com o traste? Para ele, vale sempre os clichês: não existe jogo fácil, e não há mais bobo na roda.
O 1 a 0 só saiu por um descuido do peste, encantado com uma jambo- -girl, morena que nos dava a honra de dividir o oxigênio do planeta e o mesmo lance de arquibancada.
O melhor é que penetramos de graça no ambiente ludopédico. Os gloriosos cartolas, só para variar, caro Juca, não entenderam ainda que, para a torcida do Sport, tanto faz o Boca como o Araripina, é sempre o bafo do leão no cangote. Pois é, faltou ingresso, uma banzé miserável, o que obrigou a diretoria a mandar abrir portões. Na conta oficial, 21.112 torcedores no estádio. Tinha mais, confesso, e muita gente foi embora, como o menino Rodrigo, que veio do Rio pronto para ver o seu escrete favorito rumo ao penta. Lamentável.
Voltemos ao jogo. Que bode enjoado, camisa entre o amarelo e o verde fosforescente, arrumadinho qual feijão, farinha e charque, e com um 5 de responsa, maestro, contenções e avanços. Um zagueiro espanador da lua cuidava, gigante, de anular o cai-cai balão na área.
O corvo crocitava, com a secação invertida, como definiu o amigo João Valadares: "Sossega, leão, vai ser uns 4 ou 5 x 0, fica frio, relaxa, é moleza, mamata". Torcedor do Santa Cruz, Valadares costuma exercer tal mumunha até com o seu bom sogro, este um rubro-negro de rocha. É mesmo o pior tipo de secador, o que chega com o falso conforto, com o elogio da traição mais calabaresca e espera a casa cair para fazer a troça.
Segue o jogo. Ao meu lado, também estava um pai, Marcos, com uma criança, João, 7, que não entendia o motivo de não sair uma goleada. Nunca ouvira falar no Araripina e havia comparecido a toda a campanha vitoriosa da Copa do Brasil-08. No tempo em que as crianças mataram a fase dos porquês, João indagava: "A gente fez três no Corinthians, que é bom de verdade, por que não goleia o Araripina?". O pai respondeu: "Por isso estamos aqui, João, aprenda a nunca sair de casa com o jogo ganho".
No momento, pensei como estaria o coraçãozinho de outro menino, Rodrigo, 5, filho do Cadu, que se deslocara da capital para ver a Linense estrear na A2 do Paulista -o melhor torneio do Estado, com direito às tradições de Guarani, Noroeste, Marília, São Bento, São José e todos os santos. Deu Elefante na cabeça, ufa, 2x1 no Flamengo, de Guarulhos.
Tudo bem, amigo, que exista a tal obsessão chamada Libertadores -havia quem se iludisse com aquele troféu que não passava de um evento de marketing da Toyota-, mas é nas aldeias que está a grandeza da vida. Ali todos nós, meninos, aprendemos o sentido do embate, na derrota ou na glória, amém e até a próxima.

xico.folha@uol.com.br


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