São Paulo, sábado, 15 de abril de 2006

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FUTEBOL

As lições do Estudiantes

RODRIGO BUENO
DA REPORTAGEM LOCAL

Você já deve ter escutado mil vezes alguém dizer que tal time deu aula de futebol. Mas pouco deve ter ouvido sobre as aulas no fim dos anos 60 e começo dos 70 do Estudiantes de La Plata, time chico da Argentina que de novo dá lições na Libertadores.
Anteontem, a limitada e aguerrida equipe do técnico Jorge Burruchaga, carregando a mística daquela que foi tricampeã continental entre 1968 e 1970, virou jogo contra o Bolívar já nos acréscimos e garantiu passagem para as oitavas-de-final. A equipe que protagonizou a mais sensacional virada do ano (0 a 3 para 4 a 3 diante do Sporting Cristal) também protagonizou a classificação mais emocionante da temporada.
No 1 a 0 contra o Independiente Santa Fé e no 2 a 2 com o Sporting Cristal fora de casa, gols nos últimos minutos deixaram o time vivo na competição que tanto é associada à garra, à camisa, à guerra e ao "vale tudo para ganhar".
Muita dessa aura que ronda a Libertadores foi dada pelo Estudiantes, cujas aulas, desde os primórdios, quase sempre foram reprovadas pelos superiores. Os fundadores do clube eram estudantes, e grande parte de seus simpatizantes são acadêmicos, alunos de medicina. Não é à toa que seus seguidores são chamados de "pincharratas" (o nome deve-se ao fato de os estudantes de medicina fazerem experiências com ratos).
O temor e o assombro causados pelo Estudiantes quando esse venceu o Metropolitano em 1967 serviram na verdade para consagrar uma série de inovações. Sob o comando do técnico Osvaldo Zubeldía, o time foi bem mais que o primeiro pequeno a triunfar na Argentina. Foi o primeiro de fato a estudar minuciosamente os adversários, a desenvolver estratégias extracampo para ganhar jogos e estimular um espírito comunitário (escolar mesmo) da equipe. Dois dos contestáveis craques do time eram Raúl Horacio Madero e Carlos Salvador Bilardo, dois doutores em campo. Muitos anos depois, como médico e como técnico da seleção argentina, respectivamente, os dois ganharam a Copa de 1986 e teriam "tratado" até de água batizada no Mundial de 1990. Nenhum clube personificou tanto o antifutebol ou foi tão associado a atitudes antiesportivas quanto o Estudiantes. O lendário Zubeldía é visto como gênio e louco (características que, dizem, se misturam). Rotulado como "homem sem escrúpulos", seria mentor das mais ardilosas artimanhas, mas também pioneiro do futebol de resultados, precursor de Bilardos, Bianchis, Scolaris, técnicos capazes de triunfar com times modestos, experts em usar coração e malandragem para bater equipes tidas como favoritas.
O Estudiantes de Zubeldía ensinou tanto faltas táticas como, em aulas particulares a seus atletas, a usar alfinetes e outras armas em campo. O atual campo de jogo, aliás, exibe arame fardado para ""conter" a fanática torcida, o que ainda o deixa no caminho oposto do "fair play" visto nos gramados europeus. O Estudiantes foi o grande responsável pela ida do Mundial interclubes para um campo neutro. Os estudantes, com rebeldia e vigor, têm muito a ensinar. Para o bem e para o mal.

As lições da Libertadores
Pancadaria seguida de omissão do juiz, como a vista no duelo Palmeiras x Cerro Porteño, e arbitragens caseiras, como a verificada no jogo Universidad Católica x Corinthians, contribuem para a impressão de que a Libertadores voltou aos "bons tempos". A revelação neste ano de que o árbitro uruguaio Gustavo Méndez "fechou" por US$ 20 mil para favorecer para o River Plate em um jogo da Libertadores passada, potencialmente a primeira das semifinais contra o São Paulo no Morumbi, dão a certeza de que o jogo sujo que marcou boa parte da tradicional competição continental atravessou o século.

As lições da Copa dos Campeões
Incrível como analistas vêem um esquema tático diferente para cada jogo do Barcelona. Não é Ronaldinho mais dez, mas não são táticas.

E-mail rbueno@folhasp.com.br


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