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FUTEBOL
Dos pódios
JOSÉ ROBERTO TORERO
COLUNISTA DA FOLHA
As duas principais provas
do automobilismo mundial
deste fim-de-semana tiveram pódios totalmente opostos. Na monótona prova de Hungaroring,
Rubens Barrichello ficou em
quarto lugar. Em Mid-Ohio, pela
Indy, Hélio de Castro Neves, Gil
de Ferran e Christian Fittipaldi
ocuparam todos os degraus do
pódio. Os três últimos foram os
primeiros, e Barrichello foi o primeiro dos últimos. Ele foi o primeiro dos que não subiram ao
pódio, o primeiro dos outros.
A palavra pódio vem do grego
pódion e significa pequeno pé, pequena base. Ali em cima os vencedores de competições esportivas
choram, riem, mandam beijos
para os cônjuges, cantam os hinos
de seus países e levantam os símbolos de seu patrocinador.
Mas a palavra tem outros significados: pódio é também o estrado
onde sobe o maestro que vai reger
uma orquestra e, na antiga Roma, era um muro que separava a
arena das arquibancadas. Junto a
esse pódio ficava a tribuna que
alojava o imperador, sua família
e seu séquito.
Ou seja, apesar da variedade de
sentidos, a palavra está sempre ligada à idéia de distinção. E a distinção ocupa um lugar de destaque na alma humana. Foi por
causa da distinção que o enciumado Caim matou seu irmão
Abel. Foi em decorrência da falta
dela que um militar subalterno
chamado Iago envenenou o espírito de seu chefe, Otelo, até o ponto em que este assassinou sua mulher, a casta Desdêmona. É por
ela que os sujeitos que participam
do programa "No Limite" se sujeitam àquelas provas doidas.
É pensando na distinção que a
maioria dos políticos aperta as
mãos dos pobres, abraça crianças
remelentas e finge gostar de buchada de bode. É pensando na
distinção que políticos do PPB fazem discursos contra a má distribuição de renda.
A distinção levou milhares de
homens e mulheres a suportar
grandes flagelos e privações. Tudo
em troca de quê? De serem reconhecidos e diferenciados da
maioria dos mortais. Pela distinção perde-se o senso do ridículo e
o pudor, por ela tomam-se anabolizantes e fazem-se próteses de
silicone. A distinção é um desejo
de todo indivíduo dentro do coletivo, mas hoje é ainda mais intensa, já que o coletivo é maior do
que nunca e o individualismo,
mais incentivado.
Michael Schumacher não hesitou em ficar com fama de mau-caráter quando deu fechadas em
Damon Hill e Jacques Villeneuve.
O próprio Senna não pensou duas
vezes antes de provocar uma batida em Alain Prost depois deste ter
usado a mesma estratégia no ano
anterior. O desejo de distinção
torna os homens ferozes, faz deles
uma sopa de hormônios que ignora a polidez e os põe num estágio
primitivo da animalidade.
E é com o pódio, essa simples armação de madeira feita por humildes carpinteiros, que sonham
os esportistas. Quando estão ali,
acima de todos, sorrindo e acenando, sentem-se como criaturas
perfeitas.
Os outros seres humanos, lá embaixo, indistintos, parecem pequenas formigas feitas apenas para o aplaudir e glorificar.
Aquele instante fica em suas
memórias por dias, meses e anos.
Como toda boa droga, porém, ela
tem efeito passageiro e põe o sujeito louco na busca de uma outra
sensação parecida.
Do alto do pódio, os vencedores
parecem estar no céu, esquecendo
que a habitação final de todos nós
não será sobre um pódio na companhia de deuses, mas sob uma
lápide ao lado dos vermes.
Descendo do pódio e voltando a
falar de seleções curiosas, Ubiratan José Araújo propõe a criação
de um novo clássico, o clássico José Paulo: O José atuaria com Zé
Carlos, Zé Teodoro, Zé Mário, Zé
Eduardo e Zé Maria; Zé do Carmo, Zé Roberto e Zezinho; Zé Alcino, Zé Afonso e Zé Sérgio. Técnico: Zé Duarte.
O Paulo jogaria com Paulo Vítor, Paulo Roberto, Paulão, Paulo
Turra e Paulo César; Paulo Souza, Paulo César Caju e Paulo Sérgio; Paulo Nunes, Paulo Futre e
Paulinho McLaren. Técnico: Paulo Autuori.
E, para entregar o troféu à equipe vencedora, ninguém melhor
que o ator Paulo José.
E-mail torero.uol.com.br
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