São Paulo, terça-feira, 15 de agosto de 2000


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FUTEBOL
Dos pódios

JOSÉ ROBERTO TORERO
COLUNISTA DA FOLHA

As duas principais provas do automobilismo mundial deste fim-de-semana tiveram pódios totalmente opostos. Na monótona prova de Hungaroring, Rubens Barrichello ficou em quarto lugar. Em Mid-Ohio, pela Indy, Hélio de Castro Neves, Gil de Ferran e Christian Fittipaldi ocuparam todos os degraus do pódio. Os três últimos foram os primeiros, e Barrichello foi o primeiro dos últimos. Ele foi o primeiro dos que não subiram ao pódio, o primeiro dos outros.
A palavra pódio vem do grego pódion e significa pequeno pé, pequena base. Ali em cima os vencedores de competições esportivas choram, riem, mandam beijos para os cônjuges, cantam os hinos de seus países e levantam os símbolos de seu patrocinador.
Mas a palavra tem outros significados: pódio é também o estrado onde sobe o maestro que vai reger uma orquestra e, na antiga Roma, era um muro que separava a arena das arquibancadas. Junto a esse pódio ficava a tribuna que alojava o imperador, sua família e seu séquito.
Ou seja, apesar da variedade de sentidos, a palavra está sempre ligada à idéia de distinção. E a distinção ocupa um lugar de destaque na alma humana. Foi por causa da distinção que o enciumado Caim matou seu irmão Abel. Foi em decorrência da falta dela que um militar subalterno chamado Iago envenenou o espírito de seu chefe, Otelo, até o ponto em que este assassinou sua mulher, a casta Desdêmona. É por ela que os sujeitos que participam do programa "No Limite" se sujeitam àquelas provas doidas.
É pensando na distinção que a maioria dos políticos aperta as mãos dos pobres, abraça crianças remelentas e finge gostar de buchada de bode. É pensando na distinção que políticos do PPB fazem discursos contra a má distribuição de renda.
A distinção levou milhares de homens e mulheres a suportar grandes flagelos e privações. Tudo em troca de quê? De serem reconhecidos e diferenciados da maioria dos mortais. Pela distinção perde-se o senso do ridículo e o pudor, por ela tomam-se anabolizantes e fazem-se próteses de silicone. A distinção é um desejo de todo indivíduo dentro do coletivo, mas hoje é ainda mais intensa, já que o coletivo é maior do que nunca e o individualismo, mais incentivado.
Michael Schumacher não hesitou em ficar com fama de mau-caráter quando deu fechadas em Damon Hill e Jacques Villeneuve. O próprio Senna não pensou duas vezes antes de provocar uma batida em Alain Prost depois deste ter usado a mesma estratégia no ano anterior. O desejo de distinção torna os homens ferozes, faz deles uma sopa de hormônios que ignora a polidez e os põe num estágio primitivo da animalidade.
E é com o pódio, essa simples armação de madeira feita por humildes carpinteiros, que sonham os esportistas. Quando estão ali, acima de todos, sorrindo e acenando, sentem-se como criaturas perfeitas.
Os outros seres humanos, lá embaixo, indistintos, parecem pequenas formigas feitas apenas para o aplaudir e glorificar.
Aquele instante fica em suas memórias por dias, meses e anos. Como toda boa droga, porém, ela tem efeito passageiro e põe o sujeito louco na busca de uma outra sensação parecida.
Do alto do pódio, os vencedores parecem estar no céu, esquecendo que a habitação final de todos nós não será sobre um pódio na companhia de deuses, mas sob uma lápide ao lado dos vermes.

Descendo do pódio e voltando a falar de seleções curiosas, Ubiratan José Araújo propõe a criação de um novo clássico, o clássico José Paulo: O José atuaria com Zé Carlos, Zé Teodoro, Zé Mário, Zé Eduardo e Zé Maria; Zé do Carmo, Zé Roberto e Zezinho; Zé Alcino, Zé Afonso e Zé Sérgio. Técnico: Zé Duarte.
O Paulo jogaria com Paulo Vítor, Paulo Roberto, Paulão, Paulo Turra e Paulo César; Paulo Souza, Paulo César Caju e Paulo Sérgio; Paulo Nunes, Paulo Futre e Paulinho McLaren. Técnico: Paulo Autuori.
E, para entregar o troféu à equipe vencedora, ninguém melhor que o ator Paulo José.
E-mail torero.uol.com.br


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