São Paulo, domingo, 15 de setembro de 2002

Texto Anterior | Índice

FUTEBOL

Diploma não é essencial

TOSTÃO
COLUNISTA DA FOLHA

Q uando terminam suas carreiras, os jogadores, craques ou não, em sua maior parte, sonham com uma atividade afim, de técnico, comentarista, dirigente, empresário. Ter sido um jogador profissional ajuda bastante, mas não é suficiente para ser um bom técnico.
Muitos ex-jogadores não se preparam nem têm outras qualidades para a nova função, como capacidade de comando e preparo teórico. Isso não significa que é necessário ter diploma de técnico. Conseguir um é fácil. Há muitas escolinhas espalhadas por aí. Diploma não é essencial. Nem para ser presidente da República.
Muitos excepcionais jogadores não tiveram durante suas carreiras preocupações com o conjunto e com os detalhes táticos. Não foram bons observadores. Outros, ao contrário, prestaram atenção em tudo. Há ainda os que sabiam que não iam jogar. Luxemburgo era o eterno reserva do Júnior no Flamengo e aproveitava o tempo ocioso no banco para ver melhor a partida.
Há também o conceito e o preconceito, que excelentes jogadores não serão bons técnicos. Não é verdade. Beckenbauer, Cruyff e Zagallo foram ótimos. Além do mais, para brilhar na profissão, é preciso que exista uma sequência.
Muitos ex-atletas não sabem o que querem. Bicam de treinador, comentarista, dirigente, empresário e não param em lugar nenhum. Por outro lado, comentar, principalmente em rádio e em televisão, é um bom treinamento para ser técnico. Aprende-se a enxergar o conjunto e a tirar conclusões rápidas.
Existem ainda os ex-craques, como Pelé, que não são técnicos, comentaristas nem acompanham diariamente o futebol, mas adoram dar palpites. Obviamente, as opiniões equivocadas do Rei não são pelo fato de ele não entender do assunto. Pelé está sempre viajando, posando de garoto-propaganda e só assiste ao futebol no intervalo de uma foto e outra.
Para fazer bem qualquer coisa na vida, até para ser famoso sem talento (tá na moda), é preciso se identificar com a profissão, assumi-la integralmente e conhecer os detalhes técnicos e as referências da atividade.
Ao assumir o comando do Fluminense, Renato Gaúcho disse, com prepotência, que sua experiência de jogador era suficiente para dar um nó tático nos treinadores. Será? Há na verdade uma desconfiança sobre a capacidade de Renato e de outros ex-atletas de se transformarem em bons técnico. Talvez seja preconceito contra o eterno garotão da praia. Quem sabe, Renato Gaúcho será um excelente treinador? Tomara!
Para isso, Renato precisa decidir se quer ser um técnico para valer ou apenas um bicão. Independentemente de sua passagem pelo Fluminense, um técnico ou qualquer profissional deveria ser avaliado após anos de atividade.
Se resolver ser treinador, Renato Gaúcho, antes de tudo, deveria abandonar o discurso de "boleiro", malandro, que fala a mesma língua do jogador e que vai resolver tudo na conversa. Esse papo está furado.

Brincar é preciso
Foi absurda a decisão do árbitro gaúcho Leonardo Gaciba de punir o jogador Jabá do Coritiba porque ele passou o pé por cima da bola antes de tentar driblar o jogador do Santos. Os árbitros precisam ter o mínimo de sensibilidade e conhecimento para diferenciar uma descontraída e inofensiva demonstração de habilidade do deboche, como fez Edílson contra o Palmeiras.
A tentativa de humilhar o adversário não justifica também a reação violenta dos que se sentiram ofendidos. Se os humanos não controlarem seus instintos agressivos, nos tornaremos todos animais irracionais e violentos.
Em vez de punir o drible, a firula, o árbitro deveria ser mais rigorosos com a violência e o excesso de faltas. A seleção foi campeã do mundo com uma das menores médias de faltas do Mundial (15 por jogo). A média nos últimos Brasileiros está em torno de 25.
O futebol não pode perder o sentido lúdico e se transformar num esporte mal-humorado, quadrado, violento e de falta de imaginação.
Garrincha, o Charles Chaplin de chuteiras, bailava para cá, para lá, com a única intenção de se divertir e brincar. Em seguida, dava um belíssimo passe ou fazia o gol. Ele repetia nos gramados o que fazia na infância, nos campos de pelada.
Diante de tanta violência no mundo e da finitude da existência, só restam amar e brincar (sem humilhar) para a vida ficar mais prazerosa.
E-mail
tostao.folha@uol.com.br

Texto Anterior: Para Oliveira, falta conjunto ao time paulista
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.