São Paulo, terça, 15 de setembro de 1998

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FUTEBOL
Mãe-de-santo mudou do Rio para Vitória para apoiar o início da carreira do irmão, hoje técnico da seleção
Irmã de Luxemburgo lamenta distância

Rosane Marinho/Folha Imagem
A mãe-de-santo Leocádia Luxemburgo da Silva, irmão do técnico do Brasil, na porta de sua casa, em Vitória


SÉRGIO RANGEL
enviado especial a Vitória

"Já fiz muito trabalho a pedido dele. Nos últimos anos, o Wanderley está sumido, mas não o abandono. Continuo fazendo as obrigações para ele."
A frase é da mãe-de-santo Leocádia Luxemburgo da Silva, 44, que afirma ter ajudado "espiritualmente" no começo de carreira seu irmão e técnico da seleção brasileira, Wanderley Luxemburgo.
Sempre afirmando-se cristão, Luxemburgo contou durante dez anos, entre 1989 e 1998, com os conselhos de Robério de Ogum, religioso que mistura espiritismo, cristianismo e candomblé.
Assim como com Leocádia, a parceria do treinador com Robério já terminou (leia texto ao lado).
Leocádia conta que mudou para Vitória (ES), onde atualmente vive e trabalha, em 1983, para "afastar a fase negra" da vida do irmão.
Na ocasião, Luxemburgo comandava o Rio Branco, a mais popular equipe capixaba.
O time estava em crise, havia amargado uma série de fracassos, e Luxemburgo era ameaçado de demissão pela diretoria.
"Meu irmão tinha até dificuldades para deixar o estádio", lembra Leocádia. "Ele me pediu uma força". A mãe-de-santo contou que no primeiro jogo após a sua chegada na cidade, ela fez um trabalho para ajudá-lo.
"Não posso falar como foi, mas o time ganhou. A partir deste dia, o Rio Branco saiu da crise, e o meu irmão conquistou o título de campeão capixaba, o primeiro de sua carreira", disse.
Na época, segundo ela, Luxemburgo prometeu construir um terreiro, mas não cumpriu. Depois, se afastou da irmã.
Por seu lado, o treinador se nega a falar sobre Leocádia. "Da minha família, eu não comento. Falo sobre meu lado profissional, não sobre o pessoal", disse ontem ao final do treino do Corinthians, time que comanda simultaneamente à seleção nacional.
Leocádia disse acreditar que o técnico deve "sentir vergonha porque pratico candomblé".
"Gosto muito dele, mas fiquei muito magoada. Ele me escondeu. Toda a minha família participou de um programa de televisão, só eu fiquei de fora. Ele nem falou meu nome", disse a mãe-de-santo, referindo-se à homenagem no programa "Domingão do Faustão", da TV Globo, em agosto.
Participaram do programa apenas Valdonier Luxemburgo da Silva e Marli da Silva. Valdonier é irmão do treinador e Marli é filha apenas do pai de Luxemburgo.
Embora diga que é tratada com indiferença, a mãe-de-santo continua fazendo trabalhos espirituais para o seu irmão.
"Na véspera da definição do novo treinador da seleção fiz uma obrigação para mim e pedi muito para ele", conta. "Quando saiu o resultado na televisão, dei pulos pela casa".
Leocádia comanda o terreiro Ilê Iá Oxum, localizado no alto de um morro do bairro de São Cristóvão, com uma privilegiada vista da capital capixaba. Esse templo da religião afro-brasileira tem aproximadamente 60 fiéis.
Ela afirma manter o local com muita disciplina, coisa que vê como uma semelhança com o irmão famoso. "Não nego, tenho o temperamento dele. Gosto de tudo certinho", diz a mãe-de-santo.
Apesar da dificuldade para chegar ao terreiro -veículos só alcançam até certo trecho da ladeira, e os clientes são obrigados a subir 50 m a pé driblando galinhas, patos e cabritos-, o local tem muito movimento.
"Recebo todo mundo aqui. Empresário, operário, político, pobre, rico. Não tem distinção", disse Leocádia, que antes de conceder entrevista à Folha, jogava búzios para um funcionário público -o preço da consulta não foi revelado.
A mãe-de-santo afirma que foi a iniciadora e primeira "guia espiritual" de Luxemburgo no candomblé, no início da década de 70, quando ele era ainda jogador.
Ela também cuida de oito filhos legítimos, sendo o mais velho, Anderson, 26, afilhado do treinador.
Afirma "receber" duas entidades: Oxum e Pomba Gira Cigana das Sete Encruzilhadas.
A mãe-de-santo afirma ter ainda o mesmo desprendimento que a fez trocar o Rio, onde nasceu, por Vitória para ajudar o irmão no início da carreira.
"Pode ter certeza que se tiver que cortar um cabrito, uma galinha ou um boi, farei isso para o Brasil ser campeão", disse.
A mãe-de-santo, porém, vê obstáculos para essa conquista, afirmando que só o temperamento explosivo do técnico da seleção poderá impedir o Brasil de conquistar a próxima Copa do Mundo, em 2002.
"Ele é muito inflexível e poderá se atrapalhar. Para trabalhar na seleção, o treinador tem que engolir alguns sapos", afirmou a irmã de Luxemburgo.



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