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ENTREVISTA DA 2ª - MARTA
Não me preocupo em ser comparada com Pelé
Maior estrela do futebol feminino e símbolo de arte em campo, alagoana se inspira nas dificuldades de sua família
Em busca ainda da independência financeira que é tão
comum para os astros do futebol masculino, Marta
Vieira da Silva dá apenas os primeiros passos com o
empresário de Ronaldo e espera lucrar mais com a posição de destaque que ganhou no esporte. Aos 21 anos
e comparada a Pelé, vive na Suécia como rainha da bola, mas ainda fica à margem da grande mídia até no
país do futebol, que pouca estrutura oferece para mulheres jogarem bola e que ainda cultiva preconceitos.
RODRIGO BUENO
DA REPORTAGEM LOCAL
Por telefone, da Suécia, Marta, a melhor do mundo no futebol, falou à Folha como é ser
considerada o ""Pelé de saias".
FOLHA - Já se acha a melhor da história? Ao menos a mais habilidosa?
MARTA - A melhor jogadora da
história não. Me acho um pouco avançada pelo fato de eu ter
tido a oportunidade de ser vista
mundialmente muito cedo. Tenho muito o que aprender, estou só começando. Minha vontade é progredir cada vez mais.
Quanto à habilidade, tem muitas jogadoras boas, a própria
Cristiane da nossa seleção.
FOLHA - Comparando com as européias e americanas, não se vê como
a representante do futebol-arte?
MARTA - Me acho um pouco diferente delas na forma de jogar.
Sou muito de improvisar. Elas
tiveram sucesso, mas não do tipo Ronaldinho, que faz um
monte de arte em campo. São
jogadoras que têm mais a técnica de jogar em equipe. Não que
eu não jogue coletivamente.
FOLHA - O que acha das comparações com Pelé? Caso não ganhe Copas, não ficará faltando algo?
MARTA - Não me preocupo em
ser comparada com Pelé, Ronaldinho, Ronaldo. Procuro
meu espaço. Mas é legal ouvir
comentários, comparações
com grandes jogadores. Acho
que não há necessidade de ganhar três Copas, até porque não
penso em jogar tanto assim. Interessante que fui melhor jogadora em 2006 sem ter jogado
sequer uma partida pela seleção. Tive só uma participação
na sub-20, em janeiro. Depois,
só joguei com minha equipe na
Suécia. Foi aí que me destaquei
e cheguei a melhor do mundo.
FOLHA - O Pelé despontou para o
mundo na Suécia, em uma Copa...
MARTA - Foi a Copa dele aqui.
Isso de Pelé de saias surgiu na
Suécia quando jogamos no estádio em que a seleção atuou.
Surgiu a história de que o Brasil
ganhou a Copa de 58 e que o Pelé foi o cabeça do grupo. É um
ídolo na Suécia. Todos gostam
dele aqui e dos brasileiros.
FOLHA - Teve algum ídolo, alguém
que tenha lhe inspirado no futebol?
MARTA - Não tenho um ídolo. O
Brasil é um país em que a cada
mês aparecem novos talentos.
Na época em que morava em
Dois Riachos, com 10 ou 11
anos, jogava com os meninos
na rua e olhava muito para o Rivaldo, que jogava na seleção e
passou pelo Corinthians, meu
time do coração. Era uma pessoa que me inspirava, mas não
era ídolo porque me inspiro na
minha família, em todas as dificuldades que a gente passou e
passa. Busco recursos para dar
vida melhor para os familiares.
FOLHA - Não tem vontade ou curiosidade de jogar entre os homens?
Não poderia ajudar o Corinthians?
MARTA - Vontade há, mas é um
nível muito diferente do futebol feminino em relação à parte
física. Por mais que seja rápida,
sobressaia no meio das meninas, o físico masculino é bem
mais forte que o meu. Dificultaria. Não teria medo, mas aquelas trombadas... É futebol feminino de um lado e masculino de
outro. Sempre joguei no meio
dos homens, sempre que estou
na minha cidade jogo com amigos. Mas daí a jogar em time
profissional, disputar um Brasileiro, é mais complicado.
Vontade tenho de ajudar o Corinthians, mas não faria muita
diferença. Na parte técnica não
teria problema. Nenhum homem vai querer perder para
uma mulher dentro de campo.
FOLHA - Você já chegou a praticar
alguma outra modalidade?
MARTA - Sempre gostei do futebol, mas no colégio tinha time
de handebol. As meninas tinham medo das boladas fortes.
Como jogava futebol com meninos, tomava porrada e não estava nem aí. Quando estive no
Rio, entre 2000 e 2002, estudei
num colégio onde o pessoal
queria que eu fizesse atletismo.
Treinei alguns dias lá, mas meu
interesse era só o futebol.
FOLHA - Acha que Kaká foi mesmo
o melhor do mundo em 2007?
MARTA - Ele está numa fase
muito boa, jogando superbem.
Ajudou o Milan na Copa dos
Campeões, brilhando. Neste
ano, é o melhor do mundo.
FOLHA - E quem seria a segunda
melhor do mundo neste ano?
MARTA - Pô [risos], aí você me
pegou. Fico sem saber o que falar. No Mundial, vimos grandes
jogadoras, meninas se destacando, a própria Cristiane, a
Prinz, da Alemanha, a Formiga.
Se fosse escolher entre as três,
pegava as meninas da seleção.
FOLHA - Como é trocar Dois Riachos, em Alagoas, pela Suécia?
MARTA - Quando vim para a
Suécia, já tinha morado no Rio
e em Belo Horizonte, estava há
três ou quatro anos fora de casa. Foi mudança radical. Vim de
uma região que é 40 quase
sempre para um país que tem
inverno seis, sete meses no ano.
Peguei 20 abaixo de zero. A comida é muito diferente, não
tem feijão, variação de carnes.
Foi meio complicado. Tem a
cultura das pessoas, mais tranqüilas, não tem a energia do
brasileiro, que está sempre fazendo alguma coisa. E a língua.
FOLHA - Você já conseguiu a tal da
independência financeira?
MARTA - Não, até porque o futebol feminino é bem diferente
do masculino. Por mais que já
esteja na Suécia há três, quatro
anos, não é suficiente para ter
independência financeira. Não
tem comparação com os milhões que pagam no masculino.
FOLHA - A CBF anunciou prêmio
pelo vice no Mundial igual ao do
penta. Seriam uns US$ 150 mil...
MARTA - Não sei ainda dessa situação, o que foi resolvido.
Quando voltei para a Suécia, foi
para jogar no outro dia. Fiquei
totalmente desinformada. Sabia que ganharíamos premiação pelo vice, mas não sabia e
não sei quanto será. A gente está na espera do que acontecerá.
FOLHA - A CBF anunciou uma Copa
do Brasil feminina? Acha que agora
o futebol feminino terá mais apoio?
MARTA - O nosso país é difícil.
Para a gente provar que sabe fazer isso, que a gente quer isso,
que tem vontade de crescer, a
gente tem que mostrar. Em três
anos, fomos a duas finais, fomos bicampeãs pan-americanas. A partir daí, é lógico que os
interesses vão surgir. A CBF
mantinha a seleção como sempre fez, não deixando faltar nada, mas faltava mais interesse
de clubes e de empresas para
bancar, patrocinar uma liga. Isso pode acontecer agora.
FOLHA - Você já conversou com Ricardo Teixeira, o presidente da CBF?
MARTA - A gente já conversou,
mas coisas normais, não sobre
futebol feminino. Quando estive na final da premiação da Fifa, a gente conversou. Ele esteve em Atenas, viu um dos jogos
da gente, deu apoio, força.
FOLHA - E o presidente Lula, que falou que o futebol feminino precisa
de apoio? Você votou nele, aliás?
MARTA - Nem votar votei. Votarei agora que tirei o título.
Mas nunca tive oportunidade
de falar com o Lula. Estive com
ele no Pan, mas aquela muvuca
toda, a galera em cima, não tinha como falar. Espero que ele
também dê apoio, ajude de alguma forma. O que ele falou já
foi muito legal, mas espero
realmente que dê uma força.
FOLHA - E o uniforme da seleção?
Está mais feminino? As mulheres
devem levar as estrelas masculinas?
MARTA - Não seria má idéia jogar com um uniforme da gente.
Mas as divisões de base jogam
com cinco estrelas. Talvez teria
que mudar tudo. O importante
é estar com a camisa da seleção.
Uma estrela, nenhuma, cinco,
tem que respeitar essas cores.
Não senti muita diferença no
uniforme, só na gola. Meu tamanho era M, o da Daniela era
grande. Ficava enorme nela.
FOLHA - Tem convicção de que um
dia dará uma estrela para o Brasil?
MARTA - Lógico. Tenho mais
uns anos de futebol pela frente,
e a minha esperança de poder
realizar esse sonho está viva.
FOLHA - Você tem alguma companhia na Suécia? Mora com alguém?
MARTA - Moro sozinha. Minha
mãe já esteve aqui, mas só para
visitar. Veio o frio, e ela voltou.
FOLHA - Você tem namorado? Pensa um dia em casar e ter filhos?
MARTA - Não tenho namorado,
mas a gente fica de vez em
quando. Meu pensamento é de
ter filhos, mas quando parar de
jogar. Aí quero ter um casal. Filho agora atrapalharia a carreira. Perde um ano, talvez dois,
tem que cuidar da criança...
FOLHA - Você recebe muita cantada na Suécia? É morena, famosa...
MARTA - Às vezes é meio chatinho, até porque me conhecem
às vezes. Você sai e quer ficar à
vontade, chega um e quer conversar. Aí fica enchendo o saco.
Os suecos, quando estão meio
safadinhos, começam a falar inglês. Às vezes é meio chato, me
estressei. Mas é assim mesmo.
FOLHA - Há muito homossexualismo no futebol feminino?
MARTA - Pelo fato de jogar aqui
[Suécia] não sinto tanto isso. É
um país liberal. Ninguém se
importa com isso. As meninas
que gostam de mulheres aqui
falam escancaradamente: "Tenho minha namorada, sou isso,
aquilo e pronto". As pessoas
respeitam. Mas no Brasil ainda
existe isso, mesmo que algumas
pessoas não mostrem. A gente,
além de não ter espaço adquirido, tem que lidar com isso. Eu
vejo profissionalismo. Olho para a pessoa por esse lado. Isso é
que interessa. Se você faz isso
ou aquilo, diz respeito a você, é
sua vida. Não tenho preconceito com ninguém. Cada um faz o
que acha que deve fazer. Sou
muito tranqüila quanto a isso.
FOLHA - Que tipo de homem você
gosta? Curte algum galã?
MARTA - Rodrigo Santoro, Reynaldo Gianecchini...
FOLHA - Você tem o mesmo empresário do Ronaldo [Fabiano Farah]. Como está sua vida comercial?
MARTA - A gente está começando agora, fizemos contrato no
ano passado. Nos conhecemos
por meio de um amigo meu que
é amigo do Ronaldo. As coisas
estavam ficando muito pesadas
para mim. As pessoas estão me
procurando, mas passo para o
Fabiano. Está engatinhando.
FOLHA - Já se imaginou como modelo, garota-propaganda?
MARTA - Acho que modelo não
dá para mim não, mas algum
comercial a gente faz.
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