São Paulo, sábado, 15 de novembro de 2008

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JOSÉ GERALDO COUTO

O destempero de Marcos


Com seus equívocos sublimes, o goleirão do Palmeiras destoa do mundo chato das celebridades vazias

O APELIDO "São Marcos" é dos mais inadequados. Marcos é grande justamente porque não é santo. É um mortal com todas as fraquezas e contradições inerentes à sua espécie (a espécie dos homens, não a dos goleiros).
Na derrota do Palmeiras para o Grêmio, o goleiro alviverde percorreu toda a escala da condição humana em poucos minutos. Foi do ridículo ao sublime, e vice-versa, num ímpeto irresistível.
Para quem não viu: após tomar um frango na bola alçada por Tcheco, Marcos se lançou estabanadamente ao ataque, postando-se na área adversária quando restavam 15 minutos. A torcida foi à loucura. O técnico Vanderlei Luxemburgo também, mas num sentido oposto.
No dia seguinte, com a cabeça mais fria, o goleiro não tentou capitalizar o destempero a seu favor. Muito pelo contrário, confessou-se envergonhado, julgou infantil sua atitude da véspera.
Para efeito de contraste, vale lembrar a postura de Rogério Ceni, que em mais de uma ocasião deixou de admitir falhas clamorosas, atribuindo a responsabilidade aos colegas ou culpando fatores externos (o vento, a chuva, a luz). Assim vai chegar a presidente do São Paulo.
Marcos teve altos e baixos na carreira, como todo grande goleiro. Foi impecável na Copa do Mundo de 2002, mas falhou em situações decisivas, como a final do Mundial de Clubes, em Tóquio, em 1999.
Não é, portanto, a condição técnica que o diferencia dos outros bons goleiros da praça. O que torna Marcos único é a candura com que expõe sua precariedade, sua contingência, que no fim das contas é o patrimônio comum a todos nós, bípedes sem plumas, desde o infeliz Adão.
É isso o que o torna querido não só dos palmeirenses mas de todos os torcedores. Nós nos identificamos com Marcos porque vemos nele nossa fragilidade e nossas melhores potencialidades. Mesmo aos tropeços, o homem pode brilhar.
Num mundo de celebridades ocas, em que a imagem se sobrepõe a tudo (basta ver os "direitos de imagem", os "assessores de imagem" etc.), é animador ver alguém que dá a cara para bater e depois não esconde os hematomas. Se, por um desconcerto espaço-temporal, Fernando Pessoa tivesse visto Marcos, não poderia ter escrito o verso "Nunca conheci quem tivesse tomado porrada".
Maradona, Felipão, Edmundo, Muricy Ramalho e uns poucos outros, cada um à sua maneira, também se destemperam e se expõem de quando em quando, sem medo do ridículo. A coluna de hoje é dedicada a esses destrambelhados que nos salvam da vida domesticada, que é o outro nome da morte.

Festa azul
"Da ilha formosa,/ cheia de graça,/ é o time da raça." Assim começa o belo hino do Avaí, que acaba de voltar, depois de três décadas, à elite do futebol brasileiro.
Tive o privilégio de presenciar, no lotado estádio da Ressacada, a magra vitória sobre o Brasiliense que garantiu a subida do "leão da ilha" à Série A. O jogo foi feio, mas a festa foi linda. Com a melodia do velho samba-enredo "Pega no Ganzá", os torcedores cutucaram os arqui-rivais cantando: "Olerê, olará/ Figueira é Série B,/ Avaí é Série A".

jgcouto@uol.com.br



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