São Paulo, sexta-feira, 15 de dezembro de 2006

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FÁBIO SEIXAS

Realidade e fantasia


Escolado pelo histórico da F-1, Schumacher não deve assumir responsabilidades na Ferrari já no ano que vem


A CERTA altura de "Dom Quixote", num dos muitos surtos de loucura de seu cavaleiro, Miguel de Cervantes cita Florismarte de Hircânia, personagem de Melchor Ortega e protagonista do que imagino ser uma das passagens mais absurdas da literatura mundial: combate, sozinho, um exército de mais de um milhão de soldados. Um contra mais de um milhão?
Pois é. Florismarte talvez seja o maior super-herói da história das letras. Um hiper-herói. O mega-herói. Lembrei disso tudo ao ler nesta semana, pela milionésima vez, notícias sobre o futuro de Schumacher na Ferrari. Nem a escuderia nem o heptacampeão anunciaram nada ainda, mas a central de vazamentos da F-1 trabalha com duas hipóteses.
A primeira, alardeada nos últimos dias, prega que ele será uma espécie de assistente de Todt. A segunda, que anda meio esquecida, que o alemão atuará como relações-públicas. Schumacher não é burro -pelo contrário, é inteligentíssimo, gênio.
Tampouco é louco como o cavaleiro de La Mancha. Ah, sim, ele tem uma autoconfiança gigantesca, mas nem isso seria capaz, acho, de jogá-lo na enrascada dessa primeira hipótese. Ao menos, não agora. Não em 2007. O histórico é bem desfavorável.
Tricampeão e mito do automobilismo, Lauda meteu-se a dirigente da Ferrari em 92, a convite do amigo Montezemolo, e se deu mal. Nove anos depois, foi contratado pela Jaguar. O emprego durou seis meses. Tetra e também mito, Prost tentou outra via. Em fevereiro de 97, comprou a Ligier, anunciou um promissor acordo com a Peugeot e pôs seu time na rua. Cinco temporadas depois, a equipe fechou as portas acumulando resultados ridículos, atolada em dívidas e com o francês considerado "persona non grata" nos paddocks em que um dia reinou.
Há até um caso caseiro para contar, o do bicampeão Emerson com a Copersucar. Os tempos eram outros, juntar as peças para erguer uma equipe era mais fácil e barato do que nas últimas décadas, mas nem assim o negócio prosperou. Há, claro, as exceções. Três delas de tempos ainda menos complicados, quase amadores, quase sem comparação com os atuais: McLaren, Surtees e Brabham. Na era Ecclestone, lembro só da Stewart. Só.
Isso quer dizer que uma eventual opção do alemão pela cartolagem está fadada ao fracasso? Não. Mas quer dizer que o passo talvez seja largo demais para ser dado assim, de sopetão, sem uma preparação intensiva. Qualquer que seja o cargo de Schumacher na Ferrari, ele provavelmente começará piano, piano. Não dará a cara para bater, não assumirá responsabilidades pelos resultados, não responderá pela equipe, não colocará em risco uma reputação que tanto demorou para construir, limpar e tentar reconstruir.
Schumacher deixou a F-1 como super-herói. E, embora talvez não conheça Florismarte, deve saber que, mais do que isso, só na ficção.

ACABOU
São tantos os toques na Stock que fica difícil entender os critérios para as punições. Para esta coluna, Cacá Bueno foi culpado em Jacarepaguá e inocente em Interlagos. Menos mal que o drive through não mudou o resultado do campeonato. Venceu a temporada o piloto que venceu na temporada. Isso é fácil de compreender. E indiscutível.

ACABOU?
Amir Nasr, dono da equipe de Hoover Orsi, quer levar a discussão à FIA. Defende punição mais severa a Cacá. Reforço aqui o teor da última coluna: tudo seria mais fácil com um regulamento mais claro.

NA ILHA
Florianópolis recebe no fim de semana o Desafio das Estrelas, prova promovida por Massa e com a presença de outros 24 pilotos top.

fseixas@folhasp.com.br


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