São Paulo, sábado, 15 de dezembro de 2007

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JOSÉ GERALDO COUTO

A chave do tamanho


No futebol brasileiro, o "ão" e o "inho" expressam muito mais do que a mera estatura dos jogadores


A GRANDE contratação do Corinthians para tentar se reerguer, por enquanto, é o zagueiro Chicão, ex-Figueirense, que já chega ao clube suspenso por duas partidas. Como o novo contratado vem se juntar a Betão, Zelão e Carlão, fiquei pensando nessa fartura de nomes no aumentativo num time que já teve dias melhores com jogadores como Tupãzinho, Silvinho, Marcelinho e Ricardinho.
Na história do futebol brasileiro, é muito mais fácil encontrar craques cujo nome termina em "inho" do que em "ão". Por que será? Talvez porque o aumentativo geralmente conote força física, disposição e uma certa brutalidade, mas raramente esteja associado a uma técnica refinada. De um lado, Ditão, Betão, Ronaldão, Chicão. Do outro, Julinho, Luizinho, Marcelinho, Palhinha, Juninho, Djalminha, Ronaldinho... À primeira vista poderia haver uma divisão de trabalho baseada nessa "chave do tamanho". Os grandões na defesa, os baixinhos no ataque. Mas não é bem assim.
Houve zagueiros de primeira ordem com nomes no diminutivo -Edinho, Marinho Peres, Luisinho (do Atlético-MG e da seleção brasileira)-, assim como bons atacantes terminados em "ão": Luizão, Fernandão. Deixo de fora dessa brincadeira, é claro, os nomes e apelidos que terminam em "ão" mas não são aumentativos: Tostão, Falcão, Alemão. O interessante é notar como o "ão" e o "inho" têm a ver com a nossa cultura luso-afro-brasileira, com o nosso jeito e com o nosso afeto.
O ditongo "ão" é um som que praticamente só existe na língua portuguesa. Se você estiver numa cidade estrangeira e captar numa conversa alheia um "ão" bem anasalado, pode saber que ali está um português, um brasileiro ou um africano de ex-colônia lusa. Já o "inho", a tendência de nomear tudo no diminutivo, que encantou sábios como Mário de Andrade e Darcy Ribeiro, é uma característica da nossa afetividade luso-afro-brasileira. "Tudo aquilo que o malandro pronuncia/ com voz macia/ é brasileiro,/ já passou de português", cantou Noel. O modo mais carinhoso e encantador de modular esse diminutivo talvez seja o mineiro: "Miguelim", "um bocadim", "amorzim". Para quem trabalha com a linguagem verbal, o nome das coisas e dos seres é tudo.
Quando chamamos alguém pelo aumentativo, exprimimos respeito e, quem sabe, temor. Usando o diminutivo, comunicamos carinho, fazemos um afago com a voz, mesmo que involuntariamente. Parte da tragédia social em que estamos afundados se revela no fato de chamarmos bandidos inescrupulosos de "Fernandinho Beira-Mar", "Marcinho VP" e outros apelidos semelhantes. Talvez seja um modo de reconhecer que esses meninos-monstros são frutos do nosso ventre, são os rebentos que, em nossa infinita negligência, colocamos no mundo. Mas do que estávamos falando mesmo?

jgcouto@uol.com.br


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