São Paulo, terça-feira, 16 de março de 2010

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Fifa teme doping por curandeirismo africano

Muito difundida na sede da Copa, medicina à base de plantas é alvo de debate

Na África do Sul existe pouco ou nenhum controle sobre a venda de plantas e pouca informação também sobre efeitos nas pessoas

DE JOHANNESBURGO

Quando alguém chega abatido ao mercado de remédios tradicionais de Faraday, no centro de Johannesburgo, os "médicos" locais já sabem: precisa de umganu, árvore cujo tronco, moído e tomado como chá, é injeção de energia no corpo.
Se o coração está fraco, a receita é à base de outra planta, a umnukelambiba. Para dores no corpo, uma caneca de chá de iqwaningi é tiro e queda.
Os nomes em zulu representam uma inesperada preocupação para a Fifa. "Devo confessar que não sabemos muita coisa, só que algumas dessas plantas podem ter efeitos diuréticos e até estimulantes", afirmou Michel D'Hooghe, presidente da comissão médica da entidade, em seminário no mês passado.
O tema surgiu de forma repentina no radar da organização, na reta final da preparação da Copa. De alguma forma, a medicina tradicional africana, amplamente disseminada, escapou do planejamento meticuloso para evitar o doping.
A prática da medicina tradicional é realizada às claras, nos grandes centros urbanos, e tem um forte aspecto místico. Há um certo parentesco com algo que acontece em algumas partes do Brasil, mas que é confinado aos rincões.
Na África do Sul, existe pouco ou nenhum controle das autoridades sobre a venda de plantas e pouca informação também sobre seus efeitos.
A Constituição ampara culturas tradicionais, e por isso o mercado de Faraday opera abertamente num galpão no centro da cidade, a poucos quilômetros de concentrações e estádios que serão usados por centenas de atletas. O de Ellis Park, no qual o Brasil estreia na Copa, contra a Coreia do Norte, está a dez minutos de carro.
Não é preciso receita médica ou qualquer burocracia. Também não se prevê nenhum tipo de controle especial durante a Copa. Basta aparecer numa das muitas barracas do mercado, relatar o sintoma e sair dali com o remédio. Um quilo de casca de árvore moída custa em torno de 10 rands, ou R$ 2,50.
Tomar uma "imbiza", como são chamadas as receitas que às vezes levam mais de uma planta, é um ritual com muitos componentes espirituais. "A crença africana é na limpeza do corpo. Você usa ervas para eliminar impurezas, expandir seus pulmões, limpar seu sangue", explicou um "curandeiro" que não quis se identificar.
Muitos dos remédios ali vendidos induzem ao vômito, caso da phalaza, uma planta que cresce na região de KwaZulu-Natal e na Suazilândia, a cerca de 300 km de Johannesburgo. O objetivo é expulsar as impurezas para que o corpo se fortaleça. Outros ajudam a perder peso, como o ughume.
Em geral, bebe-se a planta dissolvida em água fervente, uma vez por dia, durante uma semana. Outras são utilizadas como supositórios.
Os efeitos são sentidos já no primeiro dia de consumo. "Três horas depois de tomar um chá a pessoa já está melhor", diz Elizabeth Zwane, vendedora no mercado.
Há plantas para combater diarreia, para curar malária e com o propósito genérico de "afastar maus espíritos".
Até pouco tempo atrás, seria comum também encontrar quem "curasse" a Aids, mas atualmente é mais difícil.
Nos últimos anos, o governo, depois de muita hesitação, iniciou uma campanha intensa para esclarecer o público sobre a necessidade de tratamento com remédios antirretrovirais.
Há ainda, em meio às ervas e plantas do mercado de Faraday, outras soluções menos usuais para ajudar competidores em seu desempenho.
Peles de crocodilo, caveiras de pequenos roedores, pedaços de cobra e outros amuletos estão disponíveis para fazer um bom "juju" (equivalente à macumba brasileira) antes do jogo para ajudar a seleção predileta.
Mas a respeito disso a Fifa, ao menos até este momento, não demonstra grande preocupação. (FÁBIO ZANINI)

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