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Fifa teme doping por curandeirismo africano
Muito difundida na sede da Copa, medicina à base de plantas é alvo de debate
Na África do Sul existe pouco ou nenhum controle sobre a venda de plantas e pouca informação também sobre efeitos nas pessoas
DE JOHANNESBURGO
Quando alguém chega abatido ao mercado de remédios tradicionais de Faraday, no centro
de Johannesburgo, os "médicos" locais já sabem: precisa de
umganu, árvore cujo tronco,
moído e tomado como chá, é injeção de energia no corpo.
Se o coração está fraco, a receita é à base de outra planta, a
umnukelambiba. Para dores no
corpo, uma caneca de chá de
iqwaningi é tiro e queda.
Os nomes em zulu representam uma inesperada preocupação para a Fifa. "Devo confessar
que não sabemos muita coisa,
só que algumas dessas plantas
podem ter efeitos diuréticos e
até estimulantes", afirmou Michel D'Hooghe, presidente da
comissão médica da entidade,
em seminário no mês passado.
O tema surgiu de forma repentina no radar da organização, na reta final da preparação
da Copa. De alguma forma, a
medicina tradicional africana,
amplamente disseminada, escapou do planejamento meticuloso para evitar o doping.
A prática da medicina tradicional é realizada às claras,
nos grandes centros urbanos, e
tem um forte aspecto místico.
Há um certo parentesco com
algo que acontece em algumas
partes do Brasil, mas que é
confinado aos rincões.
Na África do Sul, existe pouco ou nenhum controle das autoridades sobre a venda de
plantas e pouca informação
também sobre seus efeitos.
A Constituição ampara culturas tradicionais, e por isso o
mercado de Faraday opera
abertamente num galpão no
centro da cidade, a poucos quilômetros de concentrações e
estádios que serão usados por
centenas de atletas. O de Ellis
Park, no qual o Brasil estreia na
Copa, contra a Coreia do Norte,
está a dez minutos de carro.
Não é preciso receita médica
ou qualquer burocracia. Também não se prevê nenhum tipo
de controle especial durante a
Copa. Basta aparecer numa das
muitas barracas do mercado,
relatar o sintoma e sair dali
com o remédio. Um quilo de
casca de árvore moída custa em
torno de 10 rands, ou R$ 2,50.
Tomar uma "imbiza", como
são chamadas as receitas que
às vezes levam mais de uma
planta, é um ritual com muitos
componentes espirituais. "A
crença africana é na limpeza do
corpo. Você usa ervas para eliminar impurezas, expandir
seus pulmões, limpar seu sangue", explicou um "curandeiro" que não quis se identificar.
Muitos dos remédios ali vendidos induzem ao vômito, caso
da phalaza, uma planta que
cresce na região de KwaZulu-Natal e na Suazilândia, a cerca
de 300 km de Johannesburgo.
O objetivo é expulsar as impurezas para que o corpo se fortaleça. Outros ajudam a perder
peso, como o ughume.
Em geral, bebe-se a planta
dissolvida em água fervente,
uma vez por dia, durante uma
semana. Outras são utilizadas
como supositórios.
Os efeitos são sentidos já no
primeiro dia de consumo.
"Três horas depois de tomar
um chá a pessoa já está melhor", diz Elizabeth Zwane,
vendedora no mercado.
Há plantas para combater
diarreia, para curar malária e
com o propósito genérico de
"afastar maus espíritos".
Até pouco tempo atrás, seria
comum também encontrar
quem "curasse" a Aids, mas
atualmente é mais difícil.
Nos últimos anos, o governo,
depois de muita hesitação, iniciou uma campanha intensa
para esclarecer o público sobre
a necessidade de tratamento
com remédios antirretrovirais.
Há ainda, em meio às ervas e
plantas do mercado de Faraday, outras soluções menos
usuais para ajudar competidores em seu desempenho.
Peles de crocodilo, caveiras
de pequenos roedores, pedaços
de cobra e outros amuletos estão disponíveis para fazer um
bom "juju" (equivalente à macumba brasileira) antes do jogo
para ajudar a seleção predileta.
Mas a respeito disso a Fifa,
ao menos até este momento,
não demonstra grande preocupação.
(FÁBIO ZANINI)
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