São Paulo, domingo, 16 de julho de 2000


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FOLHA OLIMPÍADA
Favorito ao ouro na Olimpíada de Sydney-2000, tanto no masculino como no feminino, esporte prepara nova geração para evitar as costumeiras brigas e separações traumáticas das duplas

Vôlei de praia sofre quando entra areia no 'casamento'

RODRIGO BERTOLOTTO
ENVIADO ESPECIAL AO RIO

Tranquilo na condição de favorito à medalha de ouro em Sydney-2000 tanto no masculino como no feminino, o vôlei de praia do Brasil tem se preocupado mesmo é com a preparação de uma nova geração de atletas.
Para manter a hegemonia mundial, o primeiro passo é afastar os novos da maré de brigas internas das duplas atuais.
A parte inicial já vem sendo cumprida, com o surgimento de dezenas de escolinhas de vôlei no litoral _só na orla de Copacabana, Ipanema e Leblon concorrem 20 empresas desse tipo.
Já a segunda missão é muito mais difícil. ‘‘Este é um esporte muito recente e ainda não foi estudado pelos psicólogos. Alguém precisa entender por que as duplas se desfazem tanto e as separações são tão traumáticas’’, afirma Claudio Motta.
Motta ensina a modalidade a cem crianças, junto com sua mulher, Rejane Secches, ela mesmo um exemplo de jogadora volúvel: já teve mais de 20 parceiras na quadra.
Segundo Rejane, a situação é muito pior entre as mulheres. ‘‘As duplas masculinas terminam, mas resolvem bem isso. No feminino, o desgaste é maior.
Ficam as cicatrizes, e de parceiras passam a inimigas’’, diz Rejane.
O maior exemplo é Jacqueline, ouro em Atlanta-1996 fazendo par com Sandra. As duas romperam dias após o feito. Hoje, moram no mesmo prédio e não se falam _há quem diga que uma só sai de seu apartamento após conferir, pelo olho mágico da porta, se a outra não está esperando o elevador.
Sem parceira desde que Ana Paula foi embora, Jacqueline critica a definição de que a dupla de vôlei é um ‘‘casamento sem alianças’’. ‘‘É um negócio, com a grana do patrocinador por trás. Você tem uma sócia, não uma amiga’’, sentencia. Nas escolinhas, já se tenta combater esse lado sombrio do esporte ensolarado.
‘‘Há garotas de 10 anos criando picuinha. Se seguir assim, elas chegam ao circuito profissional totalmente envenenadas de mágoa. Ensinamos as jogadoras a conviver com os erros das parceiras’’, afirma Rejane.
Entre os homens, os desquites causam menos traumas. Emanuel abandonou Zé Marco, parceiro em Atlanta, para ficar com Loiola. Chateado, Zé Marco pensou em se aposentar, mas encontrou Ricardo. Hoje, todos estão classificados para Sydney-2000.
O juvenil Samuel Gasman, 18, já compreendeu essa lógica. ‘‘Faço dupla com um amigo de infância. Ele é o ‘bad boy’, eu faço o ‘good boy’. Nossa amizade até aumentou depois do vôlei de praia. E não vai acabar se a dupla terminar’’, afirma Gasman.
Mas o monta-e-desmonta não se resume só às duplas: as arenas de competição são móveis e também causam problemas.
Em Sydney-2000, o palco da disputa será na badalada praia Bondi, mas seus moradores não gostaram nada disso. Enterraram-se na areia como forma de protesto e foram reprimidos pela polícia australiana.
Eles queriam que fosse feito um estudo sobre o impacto ambiental que o ginásio de tubulações causaria no local.
No Brasil, a queixa foi contra o impacto visual e sanitário que essas estruturas provocaram em praias como Copacabana.
Moradores da praia carioca se mobilizaram para barrar os estádios provisórios que surgiam no verão e sumiam no outono.
Hoje, o vôlei de praia continua na zona sul carioca, mas sem superarquibancadas em volta. Os torneios são menores, disputados por jovens e crianças e promovidos pelas escolinhas, que se multiplicaram nos cinco últimos anos.
Jacqueline, Bernard, Letícia Pessoa (técnica da dupla Shelda/Adriana Behar) são alguns dos empreendedores.
‘‘Daqui a cinco anos, os melhores atletas brasileiros na areia nunca vão ter jogado o vôlei indoor’’, prevê Claudio Motta, outro dono de escolinha.
O próximo movimento para isso é criar um calendário para as competições de base. Apesar de já existir os circuitos carioca e brasileiro, o esporte ainda depende de torneios esporádicos organizados por marketeiros para lançar produtos para o mercado adolescente (refrigerantes, grifes de roupa ou celulares).
Até agora, a migração dos ginásios para as praias continua, mas há contra-exemplos. O atual tricampeão carioca juvenil, Pedro Paulo Costa, 19, é um deles: ganhou esses títulos sem nunca ter treinado em uma quadra.
‘‘São esportes que diferem em quase tudo: piso, pontos, número de jogadores, tipo de treinamento, fundamento, velocidade e força. Uma hora eles vão se separar para sempre’’, afirma Costa.
Mas o que parece inseparável é o vôlei de praia e o pano de fundo formado pelo Pão de Açúcar e o Corcovado.
Por lá, a modalidade esportiva remonta ao ano de 1938, quando descendentes cariocas do primeiro presidente civil brasileiro, o paulista Prudente de Moraes, improvisavam uma rede nas areias de Copacabana.
A maior entusiasta da família era Leah Mendes de Moraes, 81, que administrou durante 30 anos as quadras no posto 6.
Nos anos 60, a década da bossa nova, Helô Pinheiro, a ‘‘Garota de Ipanema’’, arriscava alguma cortada ali. Nos 70, já na febre esportiva, treinaram lá atletas como Bernard, Bernardinho, Xandó, Isabel e Jacqueline, que se tornariam astros anos depois, quando o vôlei virou o segundo esporte nacional, atrás só do futebol.
‘‘Nas décadas de 30 e 40, o prefeito mandava serrar os postes que seguram a rede’’, afirma Leah, que hoje vê de sua janela a orla transformada em um ginásio à beira-mar.
Mas o primeiro registro no mundo da existência da versão praiera do vôlei aconteceu nos anos 20, quando era uma simples diversão familiar na Califórnia (EUA). Curiosamente, o segundo país a adotar o esporte é a França, mais especificamente os campos de nudismo daquele país _há em 1927 um torneio entre peladões de Franconville, subúrbio de Paris.
Mas, se continuar o ritmo atual de redução na vestimenta, os praticantes podem voltar ao nudismo: por determinação da FIVB (Federação Internacional de Vôlei), foram proibidos em Sydney-2000 os maiôs inteiriços para as mulheres e as folgadas bermudas estilo surfistas para os homens. A ordem dos dirigentes é ficar sexy com biquínis e shorts reduzidos.
‘‘Isso é idéia da mulher do presidente da FIVB (a mexicana Malu Acosta). Ela tem fixação. Tudo bem que as gringas usavam umas roupas imensas, mas também é exagero sensualizar tudo. Em Atlanta-1996, fazia um frio desgraçado na hora das medalhas, e nos obrigaram a subir ao pódio só de biquíni’’, diz Jacqueline.



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