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São Paulo, sábado, 16 de agosto de 2003

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FUTEBOL

O torcedor teleguiado

JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA

Durante a transmissão televisiva de Fluminense 2 x 0 Corinthians, na quarta, uma imagem extracampo me chamou a atenção: na arquibancada esvaziada, um jovem torcedor portava um cartaz com os dizeres "Roberto Marinho - Saudade".
O rapaz não levava jeito de parente nem de amigo pessoal do finado magnata da mídia. Provavelmente, assim como todos nós, só tinha visto Roberto Marinho recebendo homenagens ou fazendo discursos em reportagens chapa-branca do "Jornal Nacional".
Por que, então, o torcedor sentia saudade?, fiquei me perguntando. E eu mesmo respondi: ele sentia saudade porque a televisão mandou.
Sei que, dita assim de chofre, a frase pode parecer grosseira. Mas vou tentar explicar.
Os leitores com mais de 40 anos certamente se lembram do compacto de futebol do antigo "Canal 100", exibido nos cinemas antes do longa-metragem nas décadas de 60 e 70.
Entre as belas imagens em câmera lenta das partidas, quase sempre jogadas no Maracanã, eram inseridos regularmente flagrantes dos torcedores na arquibancada e na geral. Escolhiam-se sempre os mais pitorescos e expressivos: o torcedor desdentado, com o radinho grudado à orelha, roendo as unhas, rezando, erguendo as mãos para os céus.
Isso tudo fazia parte, é claro, da construção de uma mitologia do futebol como elemento de identidade (e integração) nacional, na época do sinistro "Ame-o ou deixe-o". Mas isso não vem ao caso. O fato é que os torcedores eram colhidos em seu comportamento espontâneo, em geral sem saber que estavam sendo filmados.
Hoje acontece o contrário. Muitos torcedores vão ao estádio na esperança de conseguir seus 15 segundos de fama, ou de exposição na mídia. Nosso ambiente social e cultural está tão deteriorado que, para muita gente, a vida só existe se for mostrada na televisão.
Para atingir o objetivo de ser captado pela câmera já não basta uma indumentária extravagante, uma máscara ou uma bandeira.
O caminho mais garantido para aparecer é portar cartazes com mensagens diretas à emissora líder de audiência, com referências a seu locutor esportivo, a seus comentaristas, a seus programas. E, por que não, a seu fundador e proprietário. Fazem assim, sem se dar conta -ou sem se importar, o que dá no mesmo-, publicidade gratuita para a emissora. São garotos-propaganda por um dia ou uma noite.
O mecanismo é simples e perverso: se eu escrever o que a televisão quer mostrar, a televisão me mostra. E não tem importância que eu não apareça dizendo o que quero dizer, e sim o que a televisão quer que eu diga. O importante mesmo é aparecer.
Cada um busca a felicidade como quer ou pode. Mas não deixa de ser uma ironia ver o torcedor fazer propaganda de graça para a mesma emissora que, entre outras coisas, o obriga a ver jogos no horário desumano das 21h40 para não atrapalhar a novela.
Afinal: saudades de quê?

Primavera curta 1
Parece que este não é mesmo o ano do Corinthians. Quando o time, depois da vitória sobre o Atlético-MG, parecia estar entrando em uma fase de recuperação, fez uma partida pífia contra o Fluminense, que lhe custou a eliminação da Copa Sul-Americana, e ainda perdeu por várias rodadas, por contusão, um jogador-chave para as esperanças de reação, o meia André Luiz.

Primavera curta 2
Depois de Petkovic, de Marques e de Leo Lima, chegou a vez de Marcelinho trocar o Vasco por um time estrangeiro. Ao lado do Grêmio, o Vasco foi possivelmente a equipe que mais se modificou e desfigurou desde o início do Brasileirão. O último que sair apaga a luz de São Januário.

E-mail jgcouto@uol.com.br


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