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NATAÇÃO
Principal nadador do país se despede com resultado ruim, como na estréia em 1992
No adeus, Borges relembra primeira vez, diz que esperava derrota e chora
GUILHERME ROSEGUINI
ENVIADO ESPECIAL A ATENAS
Vontade de ir ao banheiro no
meio da madrugada, idêntica à da
estréia. A coincidência assustou.
"Por um instante, pensei que todas as coisas fossem se repetir."
As quatro Olimpíadas do currículo, porém, fizeram a diferença,
e Gustavo Borges conseguiu reverter uma situação que poderia
manchar ainda mais sua derradeira performance na piscina.
Ontem, em Atenas, ele foi o segundo atleta do Brasil a cair na
água durante o revezamento 4 x
100 m livre. Estava em último.
Com muito esforço, conseguiu
deixar o grego Alexandros Tsoltos para trás. Não chegou ao pódio. Nem mesmo a uma final, como gostaria. Mas o desempenho
permitiu ao menos que a pecha de
retardatário não o acompanhasse
na despedida.
"Fiquei com vontade de chorar
nos primeiros momentos depois
da prova. Me segurei. Tudo isso
aqui foi planejado. Queria encerrar minha carreira com uma final
olímpica, mas já estava preparado
para parar com derrota", explicou
o atleta de 31 anos. Na entrevista
coletiva, horas depois, ele não se
agüentou e liberou as lágrimas.
A equipe terminou o evento na
12ª posição. Resultado ruim, se
comparado ao bronze obtido pelo
Brasil na mesma prova em
Sydney-2000. E ótimo, caso a
equiparação seja feita com a primeira vez de Borges nos Jogos.
Nada de sono na noite anterior
aos 200 m livre em Barcelona-1992. Com a responsabilidade de
levar uma medalha ao país, o rapaz de 20 anos foi oito vezes ao
banheiro na madrugada.
Resultado: 22º lugar na competição. "A gente também aprende
bastante com as derrotas. Foi naquele dia que abri caminho para
minhas conquistas", lembrou.
Nem precisou esperar muito. O
relógio marcava 18h27min do dia
28 de julho, pouco mais de 48 horas depois do vexame da estréia.
Borges voltou mais confiante
para a piscina e levou a prata nos
100 m livre. Era só o começo. Depois, alcançou o pódio outras três
vezes: duas em Atlanta-1996 e
uma na última Olimpíada.
Boa parte dos adversários que
marcaram essa trajetória está em
Atenas. Alexander Popov, o russo
que o venceu em 1992, ainda é um
dos principais velocistas do planeta. Gary Hall Jr., com quem
Borges dividiu o pódio nos Jogos
de 1996, até lhe deu conselhos antes do revezamento.
"Hoje [ontem], antes de nadar,
o Hall me disse: "Vá lá e se divirta".
Foi o que fiz", contou.
O brasileiro quer agora agrupar
todos. Em outubro, pretende promover um encontro no clube Pinheiros, em São Paulo.
"Já conversei com alguns, e eles
toparam. Será um torneio extra-oficial, uma festa", prometeu.
Até lá, vai cuidar dos negócios. E
curtir o tempo que lhe resta na
Grécia -ele será o porta-bandeira no encerramento, no dia 29.
"Quero assistir a muita coisa.
Gosto bastante de vôlei. Talvez até
eu consiga uma vaga como meio
de rede dessa seleção masculina.
Também quero ver o Torben
Grael ganhar uma medalha na vela e se distanciar de mim."
Explicação: ele e o velejador dividem o posto de esportista mais
premiado do país nos Jogos, com
quatro pódios cada um.
O futuro aponta para a cartolagem. Borges disse que, "dentro de
oito a 12 anos", pode comandar a
Confederação Brasileira de Desportos Aquáticos. Antes, contudo, quer gozar da aposentadoria e
encravar na memória o epílogo
que escreveu ontem.
Ele foi o último brasileiro a entrar no local da derradeira disputa. Enquanto Jáder Souza cumpria os primeiros 100 m, Borges tirou e colocou os óculos quatro vezes. Depois de fazer sua parte, saiu
da piscina por uma escada lateral.
Pegou o uniforme, enxugou a
tez e pressionou os olhos com os
dedos da mão direita. Caminhou
sozinho, meio distante, até o local
onde concederia entrevistas. Falou como atleta pela última vez.
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