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São Paulo, terça-feira, 16 de setembro de 2003

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Daiane já está obsoleta, diz guru


Criador do exercício que rendeu o inédito ouro, técnico ucraniano cobra da ginasta brasileira uma nova série para Atenas-2004


CRISTIANO CIPRIANO POMBO
DA REPORTAGEM LOCAL

O duplo twist carpado de Daiane dos Santos, 20, entrou para a história após a ginasta gaúcha conquistar o ouro inédito do país em Mundiais. Invadiu as TVs de todo o Brasil. Porém ele já está com os seus dias contados.
Seu principal criador, o técnico Oleg Ostapenko, diz que o movimento, que consiste em um mortal com meia-volta e dois giros no ar, estará obsoleto nos Jogos de Atenas-2004 e que já tem em mente novas acrobacias para a gaúcha e para a seleção brasileira.
O ucraniano, no Brasil desde 2001, foi um dos principais responsáveis pela melhora nos resultados da ginástica do país.
Em entrevista à Folha, o técnico foi contundente ao falar das chances da equipe -classificada pela primeira vez para uma Olimpíada-, de seu comportamento nos treinos, nos quais abusa das palavras "mais rápido" e "de novo", e de como a ginástica pode se tornar um esporte popular no Brasil.
 

Folha - Quando surgiu o duplo twist carpado?
Oleg Ostapenko -
Tentamos muitas coisas, mas a cada execução mudávamos uma passada, um detalhe aqui, outro ali. Surgiu nos treinos, de um para o outro. É difícil precisar quando. Primeiro, foi na mente. Depois, nos treinos. Mas é assim mesmo, a gente cria, e um dia a série se encaixa.

Folha - Só a Daiane executa o movimento no mundo?
Ostapenko -
Hoje, sim. Mas é por pouco tempo. Só aqui no Brasil temos três atletas que conseguirão executar a mesma coisa com mais três meses de treino. E, como o mundo inteiro já viu a série no Mundial, ela poderá ser desenvolvida por outros ginastas.

Folha - O que isso representa?
Ostapenko -
Representa que ela não será novidade na Olimpíada de Atenas. Temos que criar outra agora mesmo. Se não mudamos, atrás vem um monte de gente. A ginástica exige aprimoramento constante. Com certeza, aumentaremos a dificuldade da série.

Folha - Já existe algum novo elemento em mente? Qual é?
Ostapenko -
Sempre existe algum. Mas, agora, ele é secreto.

Folha - Qual é o seu plano para preparar as ginastas para 2004?
Ostapenko -
O Brasil evoluiu, está sendo reconhecido, e as conquistas estão aparecendo. Vamos "limpar" as séries. A equipe fez no Mundial uma das melhores atuações, comparável às dos países mais fortes. Poderíamos ter ido melhor no individual, mas faltou confiança, e as atletas sentiram o fato de competirem sem aquecimento [exigência do esporte].

Folha - Com novos elementos, a nota de Daiane pode aumentar?
Ostapenko -
A nota 9,737 é muito alta. O Brasil não tinha uma nota dessas. É difícil, mas a Daiane pode melhorá-la se aumentar o grau de dificuldade da série e não errá-la. No Mundial, todas estavam iguais, mas ela não falhou.

Folha - A Romênia [nono lugar] ficou atrás do Brasil [sexto] na classificação geral. Quem está no topo da ginástica hoje?
Ostapenko -
A diferença é pequena, mas significativa. As chinesas, certamente, são as melhores. Se não cometerem erros, ganharão fácil os Jogos Olímpicos. Os EUA têm uma equipe boa, mas não é maravilhosa. Ucrânia e Rússia também são boas, assim como a Romênia, que caiu um pouco.

Folha - A equipe brasileira está no nível das melhores?
Ostapenko -
Pode ser comparável, mas não equiparável. Se melhorarmos muito, creio que podemos alcançar a sexta posição em Atenas, no máximo. Mais do que isso, porém, não dá para prever.

Folha - E no individual?
Ostapenko -
A história é diferente. Daiane e Laís Souza, acredito, estarão na final do solo. E a Daniele Hypólito, na da trave. E, estando na final, teremos boas chances. Mas está tudo em aberto agora.

Folha - Qual sua postura no treino? Você é muito rígido?
Ostapenko -
São os atletas que podem dizer. Mas tenho que ser a pessoa forte, para passar segurança à atleta. Elas têm medo do aparelho, mas, quando olham para mim, transferem isso, e o aparelho já não fica tão assustador.

Folha - Você dá bronca?
Ostapenko -
Não, só corrijo o movimento. As ginastas, às vezes, têm um pouco de medo. Mas, quando fico nervoso, para não ser mal interpretado ou fazer a atleta se sentir oprimida, falo russo, pois só a gente [Nadja, a mulher, e Iryna Ilyachenko, técnica] entende.

Folha - A ginástica pode ser um esporte de expressão no Brasil?
Ostapenko -
Sim, mas será preciso muita coisa. O esporte tem de ser incorporado na universidade, para que seja estudado e desenvolvido e para que ofereça maior número de atletas e treinadores. Além disso, é preciso convidar os melhores ginastas para apresentações pelo país. Chamar técnicos e ginastas de fora para parcerias. A ex-URSS fazia isso. A França, por exemplo, também adotou essa linha, com apresentações pelas cidades, e hoje está entre os melhores [sétimo no masculino].

Folha - O que se pode esperar da nova geração brasileira?
Ostapenko -
É cedo para dizer, mas há duas, três meninas que estarão prontas até os Jogos de 2008.

Folha - O que vai fazer após 2004?
Ostapenko -
Não pensei sobre isso. Não preparei nada ainda, pode ser que eu fique ou não.

Folha - Como é formar atletas e, depois, ir para outros lugares?
Ostapenko -
Até viro amigo e converso, mas sem ginástica. Se sofrer pelos atletas que deixo, não trabalho. Não posso segurar uma medalha na cabeça por dez anos.

Folha - Mas você se emocionou e elogiou a Daiane após o ouro ao dizer: "Você, menina muito boa (sic)".
Ostapenko -
Foi uma forma de expressar a felicidade de alguém que alcança um objetivo.


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