São Paulo, quarta, 16 de setembro de 1998

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Corporações podem recuperar alma do futebol

ALBERTO HELENA JR.
da Equipe de Articulistas

Os tradicionais cartolas europeus estão em pânico com a investida de "Predador" Murdoch sobre o Manchester United, que atuou como uma senha para assanhar outros gigantes do setor de comunicação dispostos a entrar em campo, literalmente.
E é realmente um cenário assustador o que se desenha neste fim de milênio para o futebol do século 21. Afinal, o cartola tradicional era um tipo bem acabado, fácil de ser reconhecido aqui ou na Cochinchina, quando Cochinchina existia e ficava onde o gato perdeu as botas.
O bicho estava ali exposto, na vitrine do mundo, com todas as suas carências e essa ou aquela virtude. Movido, durante quase todo o século, por pura vaidade, começou a saborear, nas duas últimas décadas, o gosto inebriante das verdinhas. Sobretudo, quando um japonês apressadinho decretou o fim da história. Ou, se quiserem, o fim das utopias. Ora, se utopia não há mais, que nos locupletemos todos, parodiando a galhofa dos anos 60.
Bem pensado, se visto sob as regras da célebre "lei de Gérson", mas um mau passo para os próprios cartolas. Afinal, se o nome do jogo é grana, então chega pra lá, que tem profissional na parada. E, jogo feito, leva quem tem mais grana do que a banca.
Entram em cena, então, as grandes corporações, que podem se chamar Murdoch, Sony, Kirsch, ter até um rosto, uma história, mas que são, antes de tudo, máquinas de fazer dinheiro, com computadores de última geração operados por descartáveis gênios, desde que eles se superem na mesma velocidade com que o micro de hoje é a sucata de amanhã.
Diante desse quadro surrealista, como o futuro sempre sugere ser, que esperar?
Há duas expectativas. A primeira, de que a transferência de poder, não entre homens, mas de uma dimensão para outra, resultará no fim do futebol como o conhecemos. Ou seja: um jogo, misto de competição e arte, disputado dentro de regras praticamente imutáveis durante um século, sob normas éticas que nem sempre foram obedecidas. Em seu lugar, entra em campo um gigantesco jogo de interesses, basicamente pecuniários, que não deixará, ao cabo, pedra sobre pedra. Será, enfim, o fim.
A segunda, porém, aponta para o inverso: como resultado dessa transformação, que atingirá o âmago do futebol, teremos, isso sim, o resgate da própria essência do jogo. Ou seja: o negócio sendo tocado por quem não está aí para perder dinheiro, ao contrário, se encaminhará para um estágio onde o espetáculo terá de ser cada vez mais valorizado, exatamente para que as verdinhas não escoem pelo ladrão.
Nesse caso, os novos administradores do futebol não poderão abrir mão de alguns elementos básicos para que o produto não se deteriore na prateleira. A saber: privilegiar os grandes clubes, os que detêm o poder da tradição; proteger o craque, que é quem dá o espetáculo; e, por fim, restabelecer a ética a um nível de transparência que reforce a cada rodada a credibilidade do torcedor, que é, no fim, quem paga a conta, seja na bilheteria dos estádios, seja na poltrona de casa, diante da TV.
Prefiro acreditar nesta segunda hipótese, claro.


Alberto Helena Jr. escreve aos domingos, segundas e quartas-feiras


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