São Paulo, Terça-feira, 16 de Novembro de 1999
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Romário merece tratamento diferenciado

JUCA KFOURI
Colunista da Folha

Todos são iguais perante a lei, eis aí a máxima que deveria fazer da Justiça algo em que todos acreditássemos. Mas sabemos que alguns são mais iguais que outros, principalmente se têm dinheiro, o que é lamentável.
Não é justo tratar igualmente os desiguais, eis outro princípio, aparentemente em contradição com o anterior, menos repetido que aquele. No caso do jogador Romário, que não matou ninguém, o segundo deveria prevalecer sobre o primeiro. Romário é um artilheiro excepcional, o melhor jogador do mundo dentro da área, o craque brasileiro desta década.
Sempre foi boêmio e sempre fez gols. Muito boêmio e muitos gols.
Tratá-lo como se fosse um Beto qualquer é, além de grave erro, uma tolice. E nem se fará menção aqui ao fato de o Flamengo dever US$ 5 milhões para ele.
Basta mencionar que a possibilidade que o rubro-negro ainda tinha de salvar o ano com a conquista de uma vaga na Libertadores nessa mutretada seletiva da CBF, ou mesmo de ganhar a tal Copa Mercosul (diga-se, a bem da verdade, com regulamento fielmente cumprido até agora), praticamente desaparece com sua expulsão da Gávea.
O episódio lembra o que Nílton Santos, a ""Enciclopédia do Futebol", dizia a seus companheiros do Botafogo-RJ quando alguns deles reclamavam que Mané Garrincha tinha tratamento especial em General Severiano -treinava pouco, fugia da concentração e nada lhe acontecia. ""O compadre é excepcional", explicava o maior lateral-esquerdo da história do futebol. ""Dele nós só temos de exigir que nos garanta o bicho no domingo. O que faz nos outros dias não é de nossa conta, porque ele não precisa treinar, coisa para gente comum, como somos."
E Garrincha garantia o bicho, embora nem Nílton Santos nem Didi nem outros grandes jogadores do Botafogo-RJ fossem exatamente comuns, ao contrário.
"Ah, mas o Pelé era o Pelé e não tinha tratamento diferenciado", retrucará um idiota da objetividade, com razão.
Por isso Pelé é Pelé até hoje e Mané foi Mané. Mas que garantia o bicho, garantia.
É fácil, aliás, trabalhar com Pelés, Zicos, Rivelinos, Tostões, Falcões, gênios em campo e de ótimo gênio fora de campo. Duro é trabalhar com o gênio que está mais para o desvio que para a linha reta. Para tanto é preciso ser um administrador habilidoso, coisa que o presidente do Flamengo não é.

A seleção brasileira não perdeu da Espanha (sabe Deus por quê), como aqui se anunciou que perderia, e conquistou um ótimo resultado -embora tenha perdido a oportunidade de não se expor, porque jogou pedrinhas.
O Vitória até que goleou o Vasco, mas deu-se mal com vistas às semifinais por também ter sido goleado num jogo fabuloso.
O Guarani provou, por falta de um bom finalizador, que sua tarefa é mais difícil que a do Gama.
O Galo demonstrou que clássico é clássico sem limites, embora ainda não possa cantar vitória.
E São Paulo e Ponte Preta fazem mesmo o mais imprevisível dos duelos das quartas-de-finais. A virada tricolor é digna de seus atletas, mas sua cartolagem é indigna dela (aliás, quem acreditou naquela simulação de moralidade mereceu ser enganado).
Finalmente, onde você leu, no domingo, que a coluna não imaginava ""que o relaxamento alviverde depois da conquista da Libertadores viria tão logo", leia, por favor, seria tão longo.


Juca Kfouri escreve às terças-feiras, às sextas-feiras e aos domingos



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