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FUTEBOL
Ao dizer para o clube que não queria reforços famosos, Leão pavimentou o caminho que levou o Santos até o título
Meninos da Vila surgiram em 29 de julho
DA REPORTAGEM LOCAL
Manhã nublada no CT Rei Pelé,
na entrada de Santos, 29 de julho.
Nessa data, e com esse clima, surgiu o time que bateu o Corinthians por 3 a 2 e conquistou o
Campeonato Brasileiro de 2002.
Os jogadores chegam para o
treino habitual. Emerson Leão retém todos no vestiário. Uma cambada de desconhecidos, mescla de
novatos dos juniores com alguns
atletas errantes do interior de São
Paulo, vários deles dispensados
por grandes clubes da capital.
Muitos imaginam que serão
dispensados. Afinal, os boatos indicam duas ou três grandes contratações, gente experiente como
os atacantes Romário, Guilherme,
Leandro e o meia Carlos Miguel.
Para aumentar o receio dos jogadores, o presidente do clube,
Marcelo Teixeira, passara os últimos dias dizendo estar disposto a
investir em reforços para o time.
Apreensivos, os atletas esperam
as palavras de Leão. O treinador,
porém, surpreende a todos. Diz
que não aceitará mais ninguém
no grupo, que rejeitou as ofertas
de novos jogadores e que seguirá
com eles até o fim do Brasileiro.
"Foi uma das coisas mais emocionantes que vi no futebol. Se você visse o semblante de cada jogador... Aquilo me arrepiou", conta
Pedro Santilli, auxiliar técnico de
Leão e preparador de goleiros.
"Lembro bem as expressões fortes do Preto e do Paulo Almeida",
diz. Com o herói de ontem, não
foi diferente: "O Robinho estava
excitado, não acreditava no que
ouvia. Era muita vontade junta".
Francisco Lopes, diretor de futebol do Santos, confirma. "A verdade é que o Marcelo Teixeira
achava que era arriscado jogar
com esse time. Se o Leão aceitasse,
teria três jogadores de renome no
dia seguinte", declara. "Mas, após
o amistoso com o Corinthians, ele
decidiu ficar com essa turma."
Lopes se refere aos 3 a 1 que o
Santos impôs ao time do Parque
São Jorge dois dias antes da tal
reunião, na Vila Belmiro. A partida, contra o campeão do Torneio
Rio-São Paulo e da Copa do Brasil, fazia parte da pré-temporada
dos dois times para o Brasileiro. A
vitória convenceu Leão a insistir
com o grupo nos meses seguintes.
"Lembro que, num papo com o
Leão, eu disse que, se o time fracassasse, a gente seria crucificado.
Ele concordou, mas achou melhor arriscar", diz Santilli.
Risco talvez seja a expressão
apropriada. Antes da conquista
de ontem, apenas dois jogadores
do time-base santista já tinham
sentido o gostinho de um título: o
goleiro Fábio Costa, cinco vezes,
sempre pelo Vitória, e o atacante
Alberto, em três oportunidades.
Para fazer uma comparação, os
corintianos que entraram no
campo do Morumbi no primeiro
jogo da final, no domingo passado, somavam 44 conquistas.
"Quando eu era atleta, sabia da
importância do voto de confiança
de um treinador. E foi isso que
procurei passar para esse elenco",
disse Leão. Questionado pela Folha sobre a reação dos atletas no
momento da reunião, o técnico
enumerou adjetivos: "Felicidade,
surpresa, orgulho, senso de responsabilidade dali para a frente".
Um instantâneo da platéia do
treinador, naquele vestiário, revelaria um grupo heterogêneo. Em
comum, os sonhos. E os fracassos.
Nascido em Camaçari, Fábio
Costa, um dos melhores no Morumbi, jogou no Bahia, profissionalizou-se no Vitória com 15
anos, fez um estágio de sete meses
no PSV Eindhoven (Holanda) e
chegou ao Santos, em 2000, com o
sonho de ir aos Jogos de Sydney.
Deu errado. Titular no Pré-Olímpico, amargou a reserva de Carlos
Germano no clube. Sem aparecer,
ficou no banco na Olimpíada.
Já o autor do terceiro gol, Leonardo Lourenço Bastos, o Léo, recentemente eleito por internautas
do site oficial do Santos como o
melhor lateral-esquerdo da história do clube, foi o pivô de uma crise com Luiz Felipe Scolari, em 99.
Na ocasião, Mustafá Contursi
contratou o atleta do União São
João para o Palmeiras sem consultar o treinador. Irritado, o Scolari disse, pela primeira vez, que
deixaria o Parque Antarctica.
"Fiquei por seis meses no Palmeiras e sofri muito. Passei por
coisas inacreditáveis lá, mas não
tenho mágoas do Felipão. Ele não
teve tempo de me conhecer", diz
Léo, que começou a carreira no
Americano, em Campos (RJ), e é
filho de um ídolo da torcida local:
o centroavante Jarbas Caminhão.
Artilheiro do Santos no Brasileiro, Alberto era um dos mais
apreensivos no dia 29 de julho.
Afinal, não havia nenhum gol nos
jogos da pré-temporada santista.
Como Léo, teve uma passagem
fugaz pelo Palmeiras. "Mas não tive chances lá. Só fui ter uma oportunidade na minha carreira depois daquela reunião no CT."
Diego, 17, o mais jovem campeão brasileiro, também guarda
boas recordações daquele dia.
Expoente das categorias de base
do Santos, ao lado de Robinho, ele
imaginava que só estava lá para
"compor o grupo". "Não sabia se
seria titular. Foi muito bom", afirma o adolescente, com seu sorriso
metálico de quem não passou pelas frustrações de seus colegas.
Ontem, no ônibus que levou o
time do Morumbi, todos cantavam e comemoravam. Uns abraçados aos outros, dentro de um
grupo tão heterogêneo. Mas, agora, com algo em comum no currículo além dos sonhos e dos fracassos.
(FÁBIO SEIXAS)
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