São Paulo, segunda-feira, 16 de dezembro de 2002

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

FUTEBOL

Ao dizer para o clube que não queria reforços famosos, Leão pavimentou o caminho que levou o Santos até o título

Meninos da Vila surgiram em 29 de julho

DA REPORTAGEM LOCAL

Manhã nublada no CT Rei Pelé, na entrada de Santos, 29 de julho. Nessa data, e com esse clima, surgiu o time que bateu o Corinthians por 3 a 2 e conquistou o Campeonato Brasileiro de 2002.
Os jogadores chegam para o treino habitual. Emerson Leão retém todos no vestiário. Uma cambada de desconhecidos, mescla de novatos dos juniores com alguns atletas errantes do interior de São Paulo, vários deles dispensados por grandes clubes da capital.
Muitos imaginam que serão dispensados. Afinal, os boatos indicam duas ou três grandes contratações, gente experiente como os atacantes Romário, Guilherme, Leandro e o meia Carlos Miguel.
Para aumentar o receio dos jogadores, o presidente do clube, Marcelo Teixeira, passara os últimos dias dizendo estar disposto a investir em reforços para o time.
Apreensivos, os atletas esperam as palavras de Leão. O treinador, porém, surpreende a todos. Diz que não aceitará mais ninguém no grupo, que rejeitou as ofertas de novos jogadores e que seguirá com eles até o fim do Brasileiro.
"Foi uma das coisas mais emocionantes que vi no futebol. Se você visse o semblante de cada jogador... Aquilo me arrepiou", conta Pedro Santilli, auxiliar técnico de Leão e preparador de goleiros.
"Lembro bem as expressões fortes do Preto e do Paulo Almeida", diz. Com o herói de ontem, não foi diferente: "O Robinho estava excitado, não acreditava no que ouvia. Era muita vontade junta".
Francisco Lopes, diretor de futebol do Santos, confirma. "A verdade é que o Marcelo Teixeira achava que era arriscado jogar com esse time. Se o Leão aceitasse, teria três jogadores de renome no dia seguinte", declara. "Mas, após o amistoso com o Corinthians, ele decidiu ficar com essa turma."
Lopes se refere aos 3 a 1 que o Santos impôs ao time do Parque São Jorge dois dias antes da tal reunião, na Vila Belmiro. A partida, contra o campeão do Torneio Rio-São Paulo e da Copa do Brasil, fazia parte da pré-temporada dos dois times para o Brasileiro. A vitória convenceu Leão a insistir com o grupo nos meses seguintes.
"Lembro que, num papo com o Leão, eu disse que, se o time fracassasse, a gente seria crucificado. Ele concordou, mas achou melhor arriscar", diz Santilli.
Risco talvez seja a expressão apropriada. Antes da conquista de ontem, apenas dois jogadores do time-base santista já tinham sentido o gostinho de um título: o goleiro Fábio Costa, cinco vezes, sempre pelo Vitória, e o atacante Alberto, em três oportunidades.
Para fazer uma comparação, os corintianos que entraram no campo do Morumbi no primeiro jogo da final, no domingo passado, somavam 44 conquistas.
"Quando eu era atleta, sabia da importância do voto de confiança de um treinador. E foi isso que procurei passar para esse elenco", disse Leão. Questionado pela Folha sobre a reação dos atletas no momento da reunião, o técnico enumerou adjetivos: "Felicidade, surpresa, orgulho, senso de responsabilidade dali para a frente".
Um instantâneo da platéia do treinador, naquele vestiário, revelaria um grupo heterogêneo. Em comum, os sonhos. E os fracassos.
Nascido em Camaçari, Fábio Costa, um dos melhores no Morumbi, jogou no Bahia, profissionalizou-se no Vitória com 15 anos, fez um estágio de sete meses no PSV Eindhoven (Holanda) e chegou ao Santos, em 2000, com o sonho de ir aos Jogos de Sydney. Deu errado. Titular no Pré-Olímpico, amargou a reserva de Carlos Germano no clube. Sem aparecer, ficou no banco na Olimpíada.
Já o autor do terceiro gol, Leonardo Lourenço Bastos, o Léo, recentemente eleito por internautas do site oficial do Santos como o melhor lateral-esquerdo da história do clube, foi o pivô de uma crise com Luiz Felipe Scolari, em 99.
Na ocasião, Mustafá Contursi contratou o atleta do União São João para o Palmeiras sem consultar o treinador. Irritado, o Scolari disse, pela primeira vez, que deixaria o Parque Antarctica.
"Fiquei por seis meses no Palmeiras e sofri muito. Passei por coisas inacreditáveis lá, mas não tenho mágoas do Felipão. Ele não teve tempo de me conhecer", diz Léo, que começou a carreira no Americano, em Campos (RJ), e é filho de um ídolo da torcida local: o centroavante Jarbas Caminhão.
Artilheiro do Santos no Brasileiro, Alberto era um dos mais apreensivos no dia 29 de julho. Afinal, não havia nenhum gol nos jogos da pré-temporada santista.
Como Léo, teve uma passagem fugaz pelo Palmeiras. "Mas não tive chances lá. Só fui ter uma oportunidade na minha carreira depois daquela reunião no CT."
Diego, 17, o mais jovem campeão brasileiro, também guarda boas recordações daquele dia.
Expoente das categorias de base do Santos, ao lado de Robinho, ele imaginava que só estava lá para "compor o grupo". "Não sabia se seria titular. Foi muito bom", afirma o adolescente, com seu sorriso metálico de quem não passou pelas frustrações de seus colegas.
Ontem, no ônibus que levou o time do Morumbi, todos cantavam e comemoravam. Uns abraçados aos outros, dentro de um grupo tão heterogêneo. Mas, agora, com algo em comum no currículo além dos sonhos e dos fracassos. (FÁBIO SEIXAS)



Texto Anterior: Jogadores dizem que não houve problema ontem
Próximo Texto: Robinho cresce na hora certa e é o herói do título
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.