São Paulo, segunda-feira, 17 de março de 2008

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

SONINHA

Não têm nada com isso?


Os clubes não são os culpados pelo estado crítico das categorias de base; porém também não são inocentes

PELÉ TEM fama de falar demais e dizer muita bobagem. Uma frase discutível em momento conturbado, um ou dois palpites furados e pronto, ficou marcado.
Depois reclamam quando jogadores ou celebridades se omitem ou respondem com evasivas a questões delicadas... As pessoas perguntam e Pelé responde, oras. Ou opina, espontaneamente, sobre temas que lhe são caros. Às vezes dá caneladas? E quem não dá? Romário também não é exatamente um poeta...
Semana passada, Pelé criticou os dirigentes de clubes, responsabilizando-os pelo êxodo cada vez maior de jogadores no Brasil. A culpa é toda deles (ou de todos eles, indistintamente)?. Não, existem fatores sobre os quais não têm controle o valor do euro, o abismo social, a falta de outras oportunidades para quem não consegue ser jogador profissional no Brasil, ambição, ganância e vaidade são algumas das razões que, sozinhas ou combinadas, fazem uma proposta do estrangeiro derrotar qualquer concorrente brasileiro.
Podemos apontar dedos acusadores para governantes, legisladores e a sociedade de modo geral (ou seria a desigualdade resultado só de ações e omissões do poder público?). No futebol, especificamente, não há como não citar confederações e federações, pelo papel fomentador e regulamentador que deveriam ter. Temos também de falar nos dirigentes de clubes. Como poderiam se eximir e dizer que não têm nada a ver com o estado das coisas no futebol?
Sexta-feira a Folha relatou a prisão de um picareta que se dizia empresário. Cobrando até R$ 1.500 por candidato, ele oferecia a viagem, estadia e acesso aos clubes e de fato levava dezenas de garotos para participar de peneiras. Ao que tudo indica, os clubes procurados não tomavam nenhuma providência para controlar o recebimento desses pobres e iludidos aspirantes. Botavam os meninos em campo e acabou. Ora, se eles não se ocuparem disso, quem o fará?
Além de ter sua própria equipe de olheiros, bem preparados e confiáveis, seria muito recomendável verificar quem são esses arrebanhadores de adolescentes e jovens e investigar minimamente a origem destes. De onde vêm? Onde está a família? Quem está responsável por eles? Quando e onde obtiveram seus documentos?
Na seleção de qualquer empregado, os patrões fazem mil e uma exigências, algumas até cruéis. Como fechar os olhos para os esquemas de aliciamento de meninos, fingindo não saber que existem? É imperativo procurar saber a origem de produtos e serviços, conhecer a teia e assumir a co-responsabilidade por tudo o que diz respeito a seus negócios.
Sérios ou safados, os empresários têm hoje muito poder no futebol. Poder sobre os jogadores, que se deixam controlar por eles, e sobre os clubes, que se vêem obrigados a negociar com eles. Mas esse poder não teria se consolidado se não tivessem deixado um vácuo ou uma porta escancarada para que se estabelecessem. Agora que está assim, é preciso quebrar a cabeça para mudar a correlação de forças e temo que o aperfeiçoamento da lei que levou o nome do Pelé (mesmo deturpada desde a origem) não seja suficiente para consertar o estrago.

soninha.folha@uol.com.br


Texto Anterior: Italiano: Inter vence e segue folgada na ponta
Próximo Texto: "Ganhar do Brasil é mil vezes melhor"
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.