São Paulo, sexta-feira, 17 de maio de 2002

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Local de fracasso é hoje um condomínio de luxo

DOS ENVIADOS A BARCELONA

Ontem, no final de uma tarde luminosa em Barcelona, os amigos Jordi, Eduard e Joan batiam bola onde, há 20 anos, Paolo Rossi fuzilou pela terceira vez o gol de Valdir Peres e eliminou o Brasil da Copa do Mundo de 1982.
Agora há um parque no local, que serve como área de lazer para um residencial de luxo, o Gran Sarriá, construído sobre os escombros do lendário estádio.
O areal que abrigou o desajeitado toque de bola dos três estudantes fica justamente em cima da pequena área em que Rossi frustrou o futebol-arte do Brasil.
Logo ao lado, no que era uma das laterais do campo, o assessor fiscal Manolo García, 44, sentado num banco, lê "O Amor, as Mulheres e a Morte", do filósofo Schopenhauer.
Quando descobre o tema da reportagem, revela-se um órfão espanhol da geração de 82. "Aquela equipe do Brasil era formidável, nunca vi nada igual. Foram eliminados porque insistiam em jogar aberto. A eliminação foi um desgosto enorme para mim. Foi quando vi que não há justiça no futebol", afirma García.
Dos três jovens peladeiros, todos com 22 anos, só Jordi recorda algo da Copa. "Não era o time de Sócrates, Zico, Cerezo? Sei que eles eram bons, vi em vídeos", diz ele, que tinha dois anos em 1982.
Ali perto, onde um dia esteve o meio-campo do Sarriá, o inglês John Walker, 59, professor de línguas, desinteressado em futebol e há dez anos na Espanha, come uma maçã sentado noutro banco.
"É italiana, vi no saco quando a comprei na quitanda", pragueja, mostrando a fruta, e explica a brincadeira. "Trabalho ali ao lado, mas havia esquecido que aquele jogo foi aqui. Que vergonha, perder logo da Itália... Aqui na Europa, eles [os italianos" não são muito queridos, são falsos. Sorriem pela frente e te apunhalam pelas costas", comenta.
John Walker ("Ninguém acredita no meu nome", conta) viu Itália 3 x 2 Brasil pela TV, mas não lembra bem. Devora a maça italiana e vai embora, criticando a elitização de Sarriá, o bairro dos endinheirados de Barcelona, onde mora o meia-atacante brasileiro Rivaldo. "Não há metrô por perto. Aqui todos têm carro."
Em 1997, atolado em dívidas, o Espanyol, cujo time B foi goleado ontem pela seleção, decidiu vender o terreno do Sarriá, até então o seu estádio. Quem comprou, por US$ 60 milhões, foi Florentino Pérez, presidente do Real Madrid e dono da ACS, a maior construtora da Espanha.
O estádio foi implodido, e nasceu o luxuoso condomínio.
Ontem, num contêiner-escritório ao lado do parque, engenheiros e arquitetos tomavam champanhe para comemorar a conclusão do terceiro bloco do conjunto, que tem ao todo 300 apartamentos, de 100 a 250 m2, com dois a seis quartos. Custam entre US$ 400 mil e US$ 1 milhão. O local da segunda maior tragédia do futebol brasileiro em Copas virou sonho de consumo dos milionários de Barcelona. (FV, JAB E SR)


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