São Paulo, domingo, 17 de maio de 1998

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FUTEBOL
Narrado pelo escritor Rubem Fonseca, filme mostra a saga de garotos pobres em busca da fama como jogador
Documentário exibe o sonho de ser craque

MATINAS SUZUKI JR.
especial para a Folha

Fabrício, 17, o craque do perigoso Morro do Alemão, canhoto, habilidoso com a bola, preciso lançador em um futebol cada vez mais sem lançadores, passou na peneira de Mineiro, um dos olheiros de novos jogadores para o Flamengo.
Tem melhor sorte do que Vanderson, zagueiro sem muita categoria, que vem junto com a mãe de Vitória, Espírito Santo, para, entre mais de mil moleques, tentar passar pela peneira de Mineiro.
Vanderson não sobreviveu a um drible e a 30 minutos de teste.
Edmílson, tímido de quase não conseguir falar, vem de Goiás para Mineiro ver.
O olheiro Mineiro acha ele um craque promissor. Recomenda-o ao empresário de jogadores Zé Mauro. Edmílson, sem dinheiro, vivendo na casa do empresário Zé Mauro, espera uma oportunidade para jogar em um time que nunca aparece.
Fabrício, depois de um tempo jogando no time de Mineiro, no campo do Fundão, não passa no teste do time juvenil do Flamengo, treinado por Toninho Barroso, técnico da seleção brasileira da categoria. Vai tentar o Botafogo. Passa no teste do time da estrela solitária, mas depois é dispensado.
Vanderson voltou para Vitória. Fabrício foi parar no São Cristóvão. Edmílson foi tentar a vida no Grêmio, lá em Porto Alegre, cidade onde acha que falam outra língua, mas de onde foi enxotado.
Fabrício, Vanderson, Edmílson são adolescentes brasileiros cuja profissão é a esperança.
A esperança de virar jogador de futebol profissional, se possível no Flamengo, no Flamengo.
Essas histórias de adolescentes tentando a vida no futebol estão no primeiro episódio do documentário "Futebol", dirigido por Arthur Fontes e João Moreira Salles, que o canal GNT exibe a partir de hoje (os outros dois ficam para os próximos domingos).

Depoimentos
Elas são bordadas por depoimentos (sempre em preto e branco, em uma mesma poltrona e com o mesmo fundo de cenário) de antigos jogadores, como (pela ordem de entrada) Nilton Santos, Zezé e Aymoré Moreira, Pelé, Pompéia, Bellini, Dadá Maravilha, Tostão, Telê Santana, Júlio Botelho, Ademir das Guia e Zizinho, que falam sobre como jogavam, como começaram, quais eram os seus sonhos e quais foram as desilusões com o futebol.
Surpreendentemente narrado pelo escritor Rubem Fonseca, que dá o tom seco e certo para as palavras, esse primeiro documentário é impressionante pela maneira como se desenvolveu em um longo tempo real, acompanhando ao longo de mais de um ano as fases de promessas e de esperanças perdidas de cada um desses meninos, indo atrás deles e de suas famílias em Caxias, em Goiânia, em Indiara (Goiás).
Impressiona que, além do próprio destino desses meninos, está o destino de suas famílias -que depositam neles todas as esperanças de mudar de vida.
Esse aspecto também aparece no episódio seguinte, com as histórias dos jogadores que conseguiram, esses sim, o sonho de jogar no Flamengo, Iranildo e Lúcio (este passou a experiência de tomar uma vaia monumental da própria torcida do Flamengo, em pleno Maracanã).
Para muitos, Lúcio foi um fracasso no Flamengo; para a sua cidade natal, Alvorada dos Tocantins, e para sua família ele é um herói que tem fazenda e desfila em carro aberto pela cidade).
Dos depoimentos do primeiro episódio, chamo atenção para o de Dario, o Dadá Maravilha, que confessa que comprou uma bola com o dinheiro de um roubo e que só conseguiu uma vaga no Campo Grande depois de ser eliminado no teste por seis vezes.
E para a beleza do depoimento do goleiro Pompéia, soberano, rico nos detalhes, riquíssimo na franqueza da sua expressividade, falando sobre a sua mala de papelão, sobre a primeira vez que andou em um carro e sobre como pegou um pênalti do húngaro Puskas, que tinha um canhão.
O terceiro episódio, centrado na vida atual de Paulo César Caju, fala sobre a memória, tão rica na cabeça dos jogadores que já o abandonaram, tão vazia na cabeça do presente.
Poucos se lembram de que esses jogadores foram heróis de muita gente.
O futebol brasileiro é uma multidão de jogadores anônimos.



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