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FUTEBOL
Narrado pelo escritor Rubem Fonseca, filme mostra a saga de garotos pobres em busca da fama como jogador
Documentário exibe o sonho de ser craque
MATINAS SUZUKI JR.
especial para a Folha
Fabrício, 17, o craque do perigoso Morro do Alemão, canhoto,
habilidoso com a bola, preciso
lançador em um futebol cada vez
mais sem lançadores, passou na
peneira de Mineiro, um dos olheiros de novos jogadores para o Flamengo.
Tem melhor sorte do que Vanderson, zagueiro sem muita categoria, que vem junto com a mãe
de Vitória, Espírito Santo, para,
entre mais de mil moleques, tentar
passar pela peneira de Mineiro.
Vanderson não sobreviveu a um
drible e a 30 minutos de teste.
Edmílson, tímido de quase não
conseguir falar, vem de Goiás para
Mineiro ver.
O olheiro Mineiro acha ele um
craque promissor. Recomenda-o
ao empresário de jogadores Zé
Mauro. Edmílson, sem dinheiro,
vivendo na casa do empresário Zé
Mauro, espera uma oportunidade
para jogar em um time que nunca
aparece.
Fabrício, depois de um tempo
jogando no time de Mineiro, no
campo do Fundão, não passa no
teste do time juvenil do Flamengo,
treinado por Toninho Barroso,
técnico da seleção brasileira da categoria. Vai tentar o Botafogo.
Passa no teste do time da estrela
solitária, mas depois é dispensado.
Vanderson voltou para Vitória.
Fabrício foi parar no São Cristóvão. Edmílson foi tentar a vida no
Grêmio, lá em Porto Alegre, cidade onde acha que falam outra língua, mas de onde foi enxotado.
Fabrício, Vanderson, Edmílson
são adolescentes brasileiros cuja
profissão é a esperança.
A esperança de virar jogador de
futebol profissional, se possível no
Flamengo, no Flamengo.
Essas histórias de adolescentes
tentando a vida no futebol estão
no primeiro episódio do documentário "Futebol", dirigido por
Arthur Fontes e João Moreira Salles, que o canal GNT exibe a partir
de hoje (os outros dois ficam para
os próximos domingos).
Depoimentos
Elas são bordadas por depoimentos (sempre em preto e branco, em uma mesma poltrona e
com o mesmo fundo de cenário)
de antigos jogadores, como (pela
ordem de entrada) Nilton Santos,
Zezé e Aymoré Moreira, Pelé,
Pompéia, Bellini, Dadá Maravilha, Tostão, Telê Santana, Júlio
Botelho, Ademir das Guia e Zizinho, que falam sobre como jogavam, como começaram, quais
eram os seus sonhos e quais foram
as desilusões com o futebol.
Surpreendentemente narrado
pelo escritor Rubem Fonseca, que
dá o tom seco e certo para as palavras, esse primeiro documentário
é impressionante pela maneira como se desenvolveu em um longo
tempo real, acompanhando ao
longo de mais de um ano as fases
de promessas e de esperanças perdidas de cada um desses meninos,
indo atrás deles e de suas famílias
em Caxias, em Goiânia, em Indiara (Goiás).
Impressiona que, além do próprio destino desses meninos, está
o destino de suas famílias -que
depositam neles todas as esperanças de mudar de vida.
Esse aspecto também aparece no
episódio seguinte, com as histórias dos jogadores que conseguiram, esses sim, o sonho de jogar
no Flamengo, Iranildo e Lúcio (este passou a experiência de tomar
uma vaia monumental da própria
torcida do Flamengo, em pleno
Maracanã).
Para muitos, Lúcio foi um fracasso no Flamengo; para a sua cidade natal, Alvorada dos Tocantins, e para sua família ele é um
herói que tem fazenda e desfila em
carro aberto pela cidade).
Dos depoimentos do primeiro
episódio, chamo atenção para o de
Dario, o Dadá Maravilha, que
confessa que comprou uma bola
com o dinheiro de um roubo e que
só conseguiu uma vaga no Campo
Grande depois de ser eliminado
no teste por seis vezes.
E para a beleza do depoimento
do goleiro Pompéia, soberano, rico nos detalhes, riquíssimo na
franqueza da sua expressividade,
falando sobre a sua mala de papelão, sobre a primeira vez que andou em um carro e sobre como
pegou um pênalti do húngaro
Puskas, que tinha um canhão.
O terceiro episódio, centrado na
vida atual de Paulo César Caju, fala sobre a memória, tão rica na cabeça dos jogadores que já o abandonaram, tão vazia na cabeça do
presente.
Poucos se lembram de que esses
jogadores foram heróis de muita
gente.
O futebol brasileiro é uma multidão de jogadores anônimos.
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