|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
O MARATONISTA
A procissão acaba em quermesse, onde a personagem Shirley Valentine existe e vende quinquilharias; depois, um convite ao maior cinema ao ar livre de Atenas ignora o filme e vira cenário para um bate-papo
Vida real e cinema
PAULO SAMPAIO
ENVIADO ESPECIAL A MÁTI
Centenas de Marias e não-Marias acompanham a procissão das
Panagiotas (diz-se Panaiótas), em
Máti. O prefeito, uma banda, um
grupo de soldados marchando e
três padres de barbas imensas seguem dois rapazes que carregam
um quadro com a imagem da Virgem Maria, a partir da igreja.
Na quermesse, vende-se desde o
pôster da seleção grega de futebol,
em foto tirada no dia da vitória
contra Portugal (1), até bolsas
Louis Vuitton "legítimas" (40),
panelas e sapatos. "De alguma
maneira, eu me identifico bastante com Shirley Valentine", diz a
inglesa Wendy Kumburis, 53, referindo-se ao filme cuja personagem-título abandona tudo em
Londres para morar em uma ilha
grega. Dona de uma barraca de
"antigüidades", Wendy vive em
Máti desde 1987, quando veio
passar férias e conheceu o marido
grego, que na ocasião era professor de windsurfe.
Ela conta que a princípio ficou
"homesick" (com saudades da família), mas hoje está completamente recuperada. "Sou apaixonada por isso aqui, não troco por
nada", diz Wendy, vestindo short,
blusa de alcinha e segurando uma
caçarola de cobre na mão.
Uma das que ouvem o diálogo
(qualquer conversa particular,
aqui, vira pública em segundos), é
Elizabeta Kitsou, 49, cujo apelido soa "Veta" (o
"b" tem som de "v"): ela
conta que é dona do
maior cinema ao ar livre
de Atenas, que fica na
região de Kalitéa, no sudoeste, e tem capacidade para 2.000 pessoas.
Veta explica que o cinema só funciona no verão; no inverno, ela ganha dinheiro em outro,
coberto, perto daquele...
"Você não quer ir lá
agora?", pergunta.
Não: a procissão está
de bom tamanho para
terminar o fim-de-semana. O cinema fica para o dia seguinte (ontem) à noite.
A caminhada recomeça pela manhã: logo depois da saída de Máti, segue-se
uma grande curva em "s", com
aclives e declives suaves (de carro,
ninguém perceberia nada). O
problema é que, durante um bom
trecho, não há calçada, só mato,
barranco e sol na cabeça.
A andança termina em cerca de
1,4 km, na entrada para Neos
Voutzas: depois do almoço, à tarde, tem descanso e, à noite, cineminha ao ar livre.
A primeira sessão começa às
20h50 (depois que escurece) e a
segunda e última, às 23h10: o lugar é uma espécie de drive-in sem
carros nem "segundas intenções"
por parte de quem vai. Ao contrário, desde a entrada tudo parece
muito familiar: o marido de Veta
e um amigo conversam sentados
em cadeiras de palha, como dois
compadres do interior, e não há
roleta para acessar a sala de projeção, só uma porta que fica permanentemente aberta.
O público assiste ao filme em
cadeiras de ferro azul-turquesa,
com mesinhas, onde se come, bebe e fuma. A entrada custa 7, a
pipoca, 1,40, e a cerveja, 2 . Veta fica o tempo todo preparando
"giros" (carneiro assado no espeto rotativo) e "souvlakis" (espetinhos de carne) no bar ao fundo,
embaixo da sala de projeção.
O nome do filme é "Warriors of
Heaven and Earth" ("Guerreiros
do Céu e da Terra") e, por mais
que se tente acompanhar, só dá
para perceber que é um épico: Veta fala o tempo todo, e
com tanta familiaridade,
que o visitante se sente
como se estivesse na cozinha da própria casa.
"Toda semana muda o
filme. O próximo é um
de suspense com o Robert de Niro, não me
lembro do nome", diz
ela, que tem dois filhos
adolescentes.
Apesar do tamanho do
cinema, só 60 pessoas assistem ao filme; a maior
lotação que Veta conseguiu neste verão foi com
"O Homem-Aranha",
350 pessoas na estréia.
Um "giros" e dois
"souvlakis" depois, o filme acaba: na maratona
de amanhã, espera-se
perder calorias.
Texto Anterior: Polifonia: Melhor, mas sem foto, astro de 2000 fica fora Próximo Texto: Programação da TV Índice
|