São Paulo, domingo, 17 de setembro de 2000

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ELES TAMBÉM FAZEM A OLIMPÍADA
Viajar torcendo, torcer viajando

Torcedor-turista padrão não perde Copa ou Olimpíada e organiza finanças e tempo seguindo calendário esportivo RODRIGO BERTOLOTTO
ENVIADO ESPECIAL A SYDNEY

O paulistano José Carlos Zanini não se incomoda em ser chamado de ""turista esportivo", afinal, ele não faltou a nenhum grande evento mundial desde que se aposentou em 1992.
Foram duas Copas do Mundo (1994 e 1998) e duas Olimpíadas (1996 e 2000). ""É espetacular viajar assim: você faz parte de um acontecimento importante e ainda conhece o mundo inteiro."
Só com o pacote para Sydney, Zanini gastou US$ 11 mil (R$ 20,2 mil), pagos em seis parcelas, como é seu costume.
Em 1994, ele comemorou o tetracampeonato mundial em um restaurante de Los Angeles. Em 1996, revendeu ingressos do Dream Team em Atlanta. Já em 1998, lamentou a derrota brasileira, pelas ruas de Saint-Denis.
Na Austrália, ele espera seguir a campanha de Gustavo Kuerten e torcer por uma medalha de ouro. Tanto é assim que comprou cinco entradas de tênis.
Discreto, ele não trouxe nenhuma bandeira ou camiseta brasileira. No mesmo hotel, há dezenas de seus conterrâneos desfilando de verde e amarelo. A maioria é formada por torcedores corporativos, ou seja, que foram levados por alguma empresa.
Um exemplo disso é o marceneiro baiano Antônio Oliveira, que foi premiado, assim como outros 22 clientes, em sorteio de uma companhia telefônica.
Ele nunca havia viajado de avião. ""Acho que morri com tanta turbulência a bordo e estou agora no paraíso", diz Oliveira, que mora em Goiânia e só havia acompanhado partidas no estádio Serra Dourada.
Além da companhia telefônica, um provedor de Internet, uma escola de inglês, uma fábrica alimentícia e um plano odontológico fizeram promoções similares. Os contemplados são fáceis de identificar, afinal, todos recebem camisetas, bonés e mochilas com os logotipos das marcas.
Todos, incluindo Zanini e as empresas, compraram pacotes turísticos da Tamoyo, única agência oficial do COB (Comitê Olímpico Brasileiro) desde 1997.
Ao todo, foram vendidos 220 pacotes por preços que variaram de US$ 7.000 (R$ 12,8 mil) a US$ 22 mil (R$ 40,4 mil), com entradas já incluídas.
A Tamoyo, que tem contrato com o COB até 2005, recebeu uma cota de 4.132 ingressos. Desses, sobraram 1.050 que a agência está tentando trocar ou vender em Sydney mesmo.
O perfil do torcedor-turista é o homem de meia-idade e classe média alta. Seria um gerente de banco, um diretor de concessionária de carro ou, então, um microempresário -todos com tempo e dinheiro para realizar o sonho de juventude.
Funcionário público aposentado, Zanini se encaixa no protótipo. Ele, porém, aproveita as viagens para fazer turismo convencional. Na Copa de 1994, por exemplo, ficou embevecido com o tour macabro em Dallas que mostra o roteiro do último dia de vida de John Kennedy, presidente dos EUA assassinado ali.
Após a Olimpíada de 1996, em Atlanta, deu uma esticada a Nova York. No Mundial de 1998, revezava-se entre uma visita ao museu do Louvre e um jogo do Brasil.
Desta vez, colocou em sua rota visitas a Melbourne, a Brisbane e à Grande Barreira de Recifes (maior atração do país). Ele vai também passar alguns dias na vizinha Nova Zelândia.
Parte desse roteiro, Zanini vai passar de olho na televisão, afinal, ele vai sair de Sydney seis dias antes do final. ""Nos últimos dias, a Olimpíada acaba ficando caótica. Eu acho a cerimônia de encerramento muito deprimente", diz, após a experiência de Atlanta.
Ele afirmou que, na Olimpíada passada, sentiu um clima desanimado de fim de festa na cerimônia de encerramento, que achou desorganizada e com a participação de poucos atletas.
Ao contrário das Copas do Mundo, o turista acaba comprando às cegas os ingressos na Olimpíada. As competições nos Jogos são mais complexas e há muitas provas classificatórias.
Zanini, por exemplo, comprou ingressos para tênis, natação e basquete, mas pode ficar sem ver um brasileiro competindo.
Em 1996, apesar de ter 30 ingressos, cobrindo todas as manhãs e tardes do período, ele só conseguiu seguir Fernando Meligeni no tênis, o revezamento 4 x 100 m do atletismo, uma partida de vôlei e outra de basquete.
Entre suas entradas, em Atlanta, havia muitas para o ""Dream Team", como é chamado o time de basquete masculino norte-americano. "Não tinha graça: eles venciam todas. Decidi vender, mas tinha muito cambista por lá e faltavam compradores. Vendi pela metade do valor de face", afirma Zanini.
Na Copa da França, porém, não estava no grupo de 700 torcedores brasileiros que ficaram sem ingressos. ""Para mim, deu tudo certo, só faltou o Brasil ganhar", diz.
Em 1998, seis agências acabaram multadas ou punidas pela Embratur (Empresa Brasileira de Turismo) por venderem pacotes que prometiam entradas para os jogos da seleção, mas acabaram deixando torcedores de fora dos estádios. Sem ingressos, os brasileiros tiveram de apelar aos cambistas, que vendiam com até 1.600% de ágio.
Agora, os cambistas também rondam o hotel da maioria da torcida brasileira. ""Eu não vou comprar nenhuma entrada com eles. Já trouxe as minhas do Brasil", diz Zanini, que pagou para a agência Tamoyo até 10% de ágio.


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