São Paulo, sábado, 17 de novembro de 2001

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FUTEBOL

Oito ou oitocentos

JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA

A vitória da seleção brasileira sobre a Venezuela (e o modo como reagimos a ela) traz farto material para reflexão.
Não se trata tanto de saber se o Brasil venceu porque finalmente jogou só com um volante, ou porque marcou por pressão, ou porque tinha um atacante enfiado na área, ou simplesmente porque a Venezuela é uma baba.
O que me parece mais interessante é observar a facilidade com que passamos da depressão à euforia, do complexo de vira-lata ao sentimento de que somos os maiorais.
Antes da partida, estávamos todos (jogadores, treinador, torcida, imprensa) tensos e apreensivos, escaldados pela pior campanha da seleção em eliminatórias.
Antes de terminar o primeiro tempo, a situação já havia mudado radicalmente.
O placar ainda era 2 a 0 (e podia, portanto, ser alterado) quando Edmílson, lançando-se ao ataque, empolgou-se e tentou dar um passe "de letra".
No segundo tempo, então, com três gols de vantagem e um jogador a mais -já que um venezuelano tinha sido expulso-, a festa da seleção foi total.
Edílson, Ronaldinho, Denílson, Marcelinho Paraíba, todos tiveram seus instantes de brilho em São Luís, dando chapéus, dribles "elásticos", toques de calcanhar, bolas no meio das pernas do adversário. Pareciam querer exibir todo um arsenal que passou dois anos escondido.
A torcida gritava "olé", os locutores se empolgavam, os telespectadores-internautas -essa estranha espécie- decretavam que o Brasil já é o grande favorito para ganhar a Copa.
Fiquei com a sensação de que no Brasil, quando se trata de futebol, é sempre tudo ou nada. Ou "a gente somos inútil" ou "com brasileiro não há quem possa".
Talvez haja um aspecto positivo nessa volubilidade.
Talvez ela esteja dizendo que, para nós, o futebol é alegria ou não é nada.
Só nos empolgamos com aquilo que nos dá prazer.
Desse ponto de vista, os dribles e chapéus não são firulas, o "olé" não é um luxo. Mais que uma necessidade, são a própria razão de ser do futebol entre nós. Machucados na vida real, cidadãos de segunda classe no mundo globalizado, só nos redimimos no futebol quando somos capazes de encantar e humilhar os adversários.
Só no Brasil um vice-campeonato mundial é recebido como tragédia. Não nos contentamos em "estar entre" os melhores.
Temos que "ser" os melhores. Ou não seremos nada.
Pode ser simples falta de maturidade. Dizem que a criança oscila entre o sentimento de onipotência e o complexo de inferioridade. Ou se vê como super-homem ou acha que nunca será capaz de atravessar a rua.
Talvez um dia a gente cresça e aprenda a ser mortal.
Não sei se isso será bom ou ruim, pois não estou vendo a coisa de fora, como um cientista sabido. Faço parte do problema.
Li uma vez numa revista francesa que "a Copa do Mundo só começa de verdade quando a seleção brasileira entra em campo" -e poucas coisas me alegraram tanto na vida.
Virar adulto significa, entre outras coisas, dar menos importância a um jogo de futebol do que aos indicadores sociais que nos colocam entre os países mais atrasados e injustos do mundo.
Virar adulto, em suma, não é nada fácil.

Liga dos amigos
Ao longo do Brasileirão, vários paulistas passaram pelas primeiras colocações. Agora, que é a "hora do vamos ver", só o valente São Caetano já está garantido na próxima fase. Outros cinco times do Estado (São Paulo, Ponte Preta, Palmeiras, Santos e Lusa) se acotovelam para chegar lá. O curioso é que eles já têm vaga assegurada na Liga Rio-SP, da qual o São Caetano foi excluído. E é assim que querem "moralizar" nosso futebol.

Balança mas não cai
A pergunta que não quer calar: o Flamengo corre perigo de ser rebaixado? Meu palpite é que não. O rubro-negro deve conseguir nos últimos jogos os pontinhos salvadores. Se isso não acontecer, o mais provável é que se invente de "começar do zero" o campeonato do ano que vem. De todo modo, o clube de maior torcida do país dificilmente cairá para a "segundona".
E-mail: jgcouto@uol.com.br



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