São Paulo, quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

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JUCA KFOURI

Mengálvio, 70, o esquisito


No dia em que o grande Mengálvio completa 70 anos, uma reflexão pré-natalina sobre o envelhecimento


ACONTECEU NUMA manhã qualquer de 1988.
O então jovem jornalista Álvaro de Almeida, 24 anos, entrou em minha sala na Redação da revista "Placar" e perguntou, meio constrangido: "Como se chama mesmo aquele cara de nome esquisito do grande ataque do Santos?".
Respondo de bate-pronto: "Mengálvio, Mengálvio".
"Isso, Mengálvio!", exclamou ele batendo na testa.
Ali, naquele momento, dei-me conta de que começaria a ser para os mais moços alguém que poderia resolver pequenas questões, algumas confusões, sobre um passado que para eles era distante e que para os da minha geração apenas estava incorporado ao dia a dia.
Tinha 38 anos e havia sentido o que imaginei ser meu primeiro sinal de velhice alguns meses antes, quando fiquei com preguiça de abaixar para pegar alguma coisa que tinha caído de minhas mãos.
O grande Mengálvio, catarinense espigado, campeão mundial pela seleção na Copa de 1962, no Chile, como reserva de Didi, e bicampeão mundial de clubes pelo Santos, era só um nome esquisito para Álvaro, filho de um dos mais criativos jornalistas que o Brasil conheceu, Hamilton de Almeida Filho, o HAF, morto muito moço, aos 48 anos.
O grande Mengálvio da linha Dorval, Mengálvio, Coutinho, Pelé e Pepe era só, repita-se, um nome esquisito para o menino.
E era, na verdade, muito mais que um nome esquisito, porque foi um meio-campista capaz de carregar e tocar o piano, como se dizia à época, uma espécie assim de Toninho Cerezo, tão desengonçado como o mineiro, mas que marcava e passava com a mesma eficiência e arte, embora não fosse de fazer gols, até porque, naquele incomensurável Santos, nem precisava.
Hoje Mengálvio completa 70 anos, algo que, para alguém de 24, parece uma eternidade.
Mas Álvaro já tem 45, sete anos mais do que eu tinha quando ele me fez a pergunta, e eu, aos 59, tão próximo de Mengálvio na faixa etária como era na admiração por tê-lo visto desfilar seu imenso talento, numa dupla inesquecível com Zito.
Mengálvio teve a missão de substituir Jair Rosa Pinto, outro gênio do nosso futebol, não porque o futebol do passado tivesse mais gênios do que o de hoje, mas porque gênio é gênio em qualquer época.
Ele tem menos nome, é menos badalado do que Dorval, do que Coutinho, do que Pepe e, é claro, do que Pelé, porque este nem conta.
Mas, como Cerezo, que espero ainda não seja apenas um nome esquisito para as novas gerações (mas vai ver é, porque Mengávio se aposentou 17 anos antes da pergunta de Álvaro, e Cerezo parou lá se vão já 12...), Mengálvio parecia dois jogadores num só, um querendo correr prum lado, outro pro outro, na feliz definição, para o craque mineiro, de Luis Fernando Veríssimo.
Enfim, se Mengálvio já foi muito velho e hoje nem é tanto assim; se Álvaro já foi um menino e hoje é quase um senhor; se eu mesmo já fui velho quando ainda era muito moço, a pergunta que fica é: qual a importância da idade ou do aniversário?
Nenhuma, acho eu, a menos que haja o que comemorar.
E Mengálvio merece.

blogdojuca@uol.com.br


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