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Um craque improvável
Melhor do mundo, Messi precisou vencer as dúvidas que o seu corpo franzino provocava quando chegou à Espanha
ROBERTO DIAS
EM BARCELONA
Quando viu pela primeira vez
o menino de 1,54 m, o argentino
Horacio Gaggioli pensou: "É
tão pequenininho que não pode jogar futebol". Era 17 de setembro de 2000, e Gaggioli estava no aeroporto El Prat, em
Barcelona. Tinha ido buscar o
compatriota de 13 anos, que
chegava de Rosario com o pai.
Sua primeira impressão chocava-se com o que, como empresário, teria de fazer de ali em
diante: convencer um dos
maiores clubes do mundo de
que o garoto podia, sim, jogar
muito futebol, conforme lhe diziam seus sócios na Argentina.
Para Lionel Andrés Messi,
provar seu domínio sobre a bola seria, como em toda a sua vida, a parte fácil. O que o melhor
jogador do mundo teve que superar com ainda mais obstinação foram percalços outros que
não as botinadas dos zagueiros.
Sobretudo a partir daquele
dia em Barcelona, para viver o
que ele mais tarde definiria como "anos complicados".
Do aeroporto, Messi foi ao
hotel Catalonia Plaza, no pé da
montanha de Montjuic. O hotel
não tem registro dele. Messi,
sim: uma foto em que aparece
na janela, com o monumento
da praça ao fundo. Uma lembrança de duas semanas de angústia à espera de avaliação.
Depois de impressionar os
técnicos das divisões de base do
time, ele precisava conquistar a
aprovação de Carles Reixach,
assistente do técnico Louis van
Gaal e cético sobre os causos de
craques infantis. E Reixach estava em Sydney, na Olimpíada.
Pai e filho chegaram a decidir
que voltariam a Rosario, mas o
clube pediu que esperassem.
O dia decisivo chegou, e Reixach chegou atrasado. Mas subiu ao gramado justamente no
momento em que o argentino
fazia uma de suas demonstrações. O sinal verde pintou ali.
"Foi muito fácil. Qualquer
técnico já via o que ele iria ser",
conta Quimet Refé, então diretor técnico das categorias de
base do Barcelona. "Muita gente diz que viu primeiro. Mas
Messi não foi descoberto. Ele
se descobriu sozinho."
Com o OK do clube, o argentino voltou a Rosario para preparar a mudança. Só que o
OK não era tão OK assim.
"Havia uma nova diretoria
que não tinha tanto interesse
em jovens como tinha em buscar jogadores para o primeiro
time", diz Jose Maria Minguel-
la, sócio do clube que, na contratação de Messi, foi a ponte
entre Gaggioli, o argentino do
aeroporto, e Reixach, do Barça.
"As prioridades eram outras.
Queriam ganhar partidas logo."
Os problemas não paravam
aí. Messi não se encaixava na
política das divisões de base. O
clube não costumava contratar
estrangeiros. Menos ainda tão
novos. Pelas regras, ele só poderia jogar na Catalunha.
O menino ficou dois meses
na Argentina aguardando uma
palavra mais séria do Barcelona. Seu pai, Jorge Messi, ameaçava oferecê-lo a outras equipes. Na Espanha, Gaggioli pressionava. Até que, durante um
almoço, Reixach pediu um
guardanapo a um garçom, escreveu que o clube se comprometia a contratar Messi e assinou. O documento está até hoje
com Gaggioli, num cofre.
O próprio Barcelona, entretanto, ainda demoraria mais
um mês para enviar um compromisso à família, depois de a
diretoria exigir um relatório
sobre a aposta que o clube faria.
Reixach foi bem sucinto. Descreveu Messi como "acollonant" ("impressionante").
A bola estava devolvida para
a família, que precisava decidir
se também embarcaria na
aposta. "Sentamos ao redor de
uma mesa e conversamos. Todos estivemos de acordo. Sobretudo Lionel, que tinha muita vontade de ir", disse Jorge
Messi em uma entrevista ao
Canal +. Em fevereiro de 2001,
pai, mãe e os quatros filhos desembarcaram em Barcelona.
O clube os alojou em um hotel próximo ao seu estádio, o
Camp Nou. Como parte do
acordo da contratação, arrumou um emprego para o pai de
Messi. O argentino, ainda muito franzino, começou a treinar
na equipe azul e grená.
Junto a isso, contudo, os problemas de Messi continuaram.
O Newell's Old Boys, seu clube na Argentina, recusava-se a
enviar o documento de transferência do atleta, e a disputa foi
parar na Fifa. Com documentação provisória e a limitação da
regra para estrangeiros, entrou
em campo e acabou se contundido com certa gravidade.
Longe dos gramados, a irmã
mais nova do jogador, María
Sol, chorava na escola por não
compreender o catalão.
Quando chegaram as férias
do verão europeu, a família retornou à Argentina e decidiu
repensar seu futuro. Mãe e irmãos iriam ficar em casa. Messi
bateu o pé: queria voltar ao
Barcelona, e o pai foi com ele.
Pois tentar a carreira em seu
país Messi já havia feito.
Ganhou uma bola aos quatro
anos e, carregado pela avó, começou a jogar já no ano seguinte no Grandoli, um clube que ficava próximo a sua casa.
Na época, segundo descreveu
sua mãe, era um garoto travesso. Que roubava no baralho.
Que não gostava de ir à escola.
Queria mesmo era jogar bola.
Do Grandoli ele se mudou para
o complexo das Malvinas, o
centro de treinamento do Newell's, principal clube de Rosario. Integrava uma equipe que
ficou conhecida como "Máquina 87", uma referência ao ano
de nascimento dos garotos e ao
que faziam com os adversários.
Messi era o craque do time.
Um de seus grandes amigos de
infância contou que uma vez
ele não apareceu para jogar a final de um torneio que premiava os campeões com bicicletas.
O time perdeu o primeiro
tempo por 1 a 0. Messi tinha ficado trancado em casa, mas
conseguiu sair a tempo de chegar para a segunda etapa e marcar os três gols do título.
Mas já aí havia outro problema que não os zagueiros. Aos
nove anos, tinha só 1,27 m. Sua
família procurou um médico
em Rosario. O diagnóstico: o
corpo de Messi não produzia
hormônio de crescimento suficiente. Era preciso fazer um
tratamento, que custava em
torno de R$ 30 mil anuais, dinheiro que a família não tinha.
O pai buscou dinheiro na siderúrgica em que trabalhava.
Conseguiu pagar as doses por
dois anos. O próprio Messi aplicava as injeções. Era uma picada em cada perna.
O atacante tem hoje 1,69 m.
"Ele teve uma resposta muito
boa ao tratamento", afirma
Diego Schwarzstein, o médico
procurado pela família de Messi na cidade de Rosario.
O dinheiro para as doses, porém, voltou a faltar. Jorge Messi recorreu ao Newell's, que topou ajudar, mas não foi por
muito tempo. Cansado de tanto
bater na porta do clube, levou o
filho para um teste no River
Plate. Embora tenha se saído
bem, o clube não quis negociar
com o Newell's para ficar com
Messi. Estava aberto o caminho para ele se transformar em
um caso raro: um ídolo do futebol argentino que nunca passou por nenhum dos dois grandes clubes da capital.
O que talvez ajude a explicar
a dupla imagem que tem hoje
em seu país, de "Messi de cá" e
"Messi de lá". O "de lá" começou a tomar forma em novembro de 2003. Na sua estreia no
time principal do Barcelona,
um amistoso com o Porto, tinha a camisa 14 e foi colocado
em campo no segundo tempo
pelo técnico Frank Rijkaard.
Messi chegou a ser sondado
para se tornar de vez um "de
lá", defendendo a seleção da
Espanha. Os argentinos contra-atacaram. Organizaram
dois jogos da seleção sub-20 e
vestiram a promessa com a camisa albiceleste. Ele tem hoje
dupla cidadania, mas, pela regra da Fifa, só pode defender a
seleção pela qual já jogou.
Sua estreia como um "de cá"
do time principal foi traumática: entrou em campo no segundo tempo de um amistoso contra a Hungria, foi expulso 40 segundos depois por dar uma cotovelada e passou o resto do jogo chorando do lado de fora.
Hoje, no Barcelona, é admirado pelo senso de equipe.
"Ele trabalha como os demais", disse o lateral Daniel Alves, o brasileiro mais próximo
de Messi, depois de desfilar tabelinhas com o argentino na vitória sobre o La Coruña, na
quarta. E o antídoto para isso?
"Tem que estar bem posicionado. É um jogador muito difícil
de marcar individualmente."
Na Espanha e no Brasil, somam-se vozes dizendo que os
rivais lhe dão liberdade demais.
No Barcelona, Messi tem
mais liberdade tática que alimentar. Guardiola o incentivou a trocar os churrascos pelos pescados, mas permite que
num mesmo jogo ele se alimente em qualquer posição.
Na Argentina, a relação com
Maradona é alvo de grande debate. Messi nasceu em 1987,
depois do título mundial, do gol
de mão e do gol do século. E
idolatra o treinador. Mas os
dois ainda não acharam uma
maneira de reproduzir na seleção o jogo de Messi no Barça.
Não é um problema de agora.
O atacante saiu da última Copa
marcado por ter ficado no banco enquanto a equipe caía diante da Alemanha. No livro "Messi, el Nen que no Podia Créixer"
(inédito no Brasil), o jornalista
italiano Luca Caioli relata a
sensação, naquela equipe argentina, de que Messi não respeitava a hierarquia e rituais
internos, como o do mate. Tomado da Nike pela Adidas, teve
sua imagem superexplorada, o
que provocou ciúme no elenco.
Messi é hoje o jogador mais
midiático do mundo, segundo
estudo da Universidade de Navarra. Mas mantém a timidez
de sempre. Costuma sair correndo em direção ao vestiário
quando o juiz apita. Na definição do escritor inglês John
Carlin, "extremamente difícil é
pouco para definir quão atormentadoramente frustrante é
o exercício de entrevistá-lo".
Tal característica só parece
ser quebrada diante do PlayStation, uma de suas paixões.
Messi diz abertamente que não
gosta de ler. Nem demostra
grande esforço em falar o catalão, orgulho do Barcelona.
Mas, com seus gols, conquistou a torcida do clube, que discute hoje se vive uma "messidependência" e que renovou
seu contrato até 2016, impondo uma multa de 250 milhões
a quem quiser tirá-lo do Camp
Nou (uma cláusula batizada de
"antiflorentino", em referência
ao presidente do Real Madrid).
Enquanto isso, quando volta
a Rosario, como no final de
2009, é obrigado a se explicar.
"Faço o mesmo esforço pela seleção. Se não consegui mais até
agora, não é porque não queira.
Quero melhorar na seleção."
O bisavô de Messi emigrou
da Itália para a Argentina no
século 19. O hospital onde o jogador nasceu em Rosario homenageia um italiano conhecido dos brasileiros, Giuseppe
Garibaldi, o herói de dois mundos. Messi já ganhou o Velho
Mundo. Aos 22 anos, vai atrás,
na Copa-2010, de conquistar o
outro -o seu velho mundo.
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