São Paulo, quinta-feira, 18 de novembro de 2010

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O anjo de Eder

Título mundial de Eder Jofre, que faz 50 anos hoje, sobrevive na memória do "irmão" que o ajudou

Eduardo Knapp/Folhapress
Eder Jofre posa no salão de festas no prédio onde mora, em São Paulo

EDUARDO OHATA
DO PAINEL FC
GUSTAVO HENNEMANN
DE BUENOS AIRES

Eder Jofre, 74, festeja hoje os 50 anos da conquista do cinturão dos galos. Foi o primeiro do Brasil no boxe.
Naquela aventura em Los Angeles (EUA), em 1960, o pugilista brasileiro contou com a ajuda de um anjo da guarda, Manoel Pineda.
Hoje o compatriota vive na Argentina e, vítima de Alzheimer, recorda-se somente de um amigo: Eder Jofre.
Ao chegar no aeroporto de Los Angeles para a luta contra o mexicano Eloy Sanchez pelo título, Eder foi recebido por um rapaz que pegou suas malas, colocou-as no carro e, ao notar o ar atônito do futuro campeão, disse: "Meu nome é Manoel Pineda, brasileiro, e a partir deste momento sou seu irmão".
A partir daí, ajudou Eder e seu estafe de todas as maneiras possíveis. Levou o brasileiro em seu carro ao ginásio no dia da luta, fez passeios com a equipe e ficou com a tarefa de tirar da cama o "Galo de Ouro" bem cedinho para as suas corridas diárias.
À época, a pontualidade de Pineda foi apontada por Eder, de forma bem-humorada, como o único "defeito" do amigo, definido como "grande praça" pelo lutador.
A amizade prosseguiu. Quando vinha ao país, Pineda se encontrava com Eder e o recebeu em casa quando o boxeador voltou aos EUA.

HOJE
Num álbum de fotografias em branco e preto, Manoel, agora com 82 anos, aparece ao lado de Pelé, do cantor Roberto Carlos e de estrelas de Hollywood. Mas sua memória só desperta ao ver as imagens que compartilha com o único amigo de quem ainda sabe o nome, Eder Jofre.
Há oito anos, Pineda luta contra o mal de Alzheimer recluso em um apartamento no centro de Buenos Aires, onde recebeu a Folha para uma conversa de poucas frases, às vezes incompletas.
Curvado pela idade, mede 1,63 m, e não pesa mais de 50 kg. Passa os dias em casa, vendo TV com a ajuda de um aparelho auditivo, à procura de um canal que passe lutas de boxe. "Nem sei quanto peso, tô magrinho, mas tô contente. Ah, se eu pudesse... o senhor vai falar com o Eder?"
É o único assunto que interessa a Pineda, que recorda detalhes das principais lutas do amigo. Depois de um longo silêncio, emocionou-se ao relatar contato recente com Eder por telefone.
"Eu falei com o Eder. Esse garoto derrubou todo mundo. Tantos anos", disse com a cabeça baixa e chorando.
Há mais de 40 anos, Pineda deixou os EUA, onde morou nas décadas de 50 e 60, para se instalar na capital argentina. Trabalhou nos consulados brasileiros de Los Angeles e de Buenos Aires, como técnico do Itamaraty, depois de ter sido fotógrafo.
"Quando estava bem, ele tinha obsessão pelo Eder. Todos os meus namorados precisaram ouvir as histórias dele e olhar as fotos dos dois", diz a filha Flávia sobre Mané, como ele era chamado afetuosamente por Eder.
Pineda teve a vida transformada pelo "corralito" argentino, que congelou todas as suas economias em 2002.
Ao ver que estava financeiramente quebrado, sofreu um surto psicótico e tentou suicídio. Trancou-se em casa, com pânico e mania de perseguição. O desequilíbrio acionou o Alzheimer, e ele nunca mais voltou à lucidez.
Ao saber da situação do amigo, Eder ficou triste, mas achou ao menos um motivo para sorrir. "É bacana você ter um amigo que, mesmo com Alzheimer, lembra-se de você. Quer dizer que você marcou muito a vida dele."


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