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O anjo de Eder
Título mundial de Eder Jofre, que faz 50 anos hoje, sobrevive na memória do "irmão" que o ajudou
Eduardo Knapp/Folhapress
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Eder Jofre posa no salão de festas no prédio onde mora, em São Paulo
EDUARDO OHATA
DO PAINEL FC
GUSTAVO HENNEMANN
DE BUENOS AIRES
Eder Jofre, 74, festeja hoje
os 50 anos da conquista do
cinturão dos galos. Foi o primeiro do Brasil no boxe.
Naquela aventura em Los
Angeles (EUA), em 1960, o
pugilista brasileiro contou
com a ajuda de um anjo da
guarda, Manoel Pineda.
Hoje o compatriota vive na
Argentina e, vítima de Alzheimer, recorda-se somente
de um amigo: Eder Jofre.
Ao chegar no aeroporto de
Los Angeles para a luta contra o mexicano Eloy Sanchez
pelo título, Eder foi recebido
por um rapaz que pegou suas
malas, colocou-as no carro e,
ao notar o ar atônito do futuro campeão, disse: "Meu nome é Manoel Pineda, brasileiro, e a partir deste momento sou seu irmão".
A partir daí, ajudou Eder e
seu estafe de todas as maneiras possíveis. Levou o brasileiro em seu carro ao ginásio
no dia da luta, fez passeios
com a equipe e ficou com a
tarefa de tirar da cama o "Galo de Ouro" bem cedinho para as suas corridas diárias.
À época, a pontualidade
de Pineda foi apontada por
Eder, de forma bem-humorada, como o único "defeito"
do amigo, definido como
"grande praça" pelo lutador.
A amizade prosseguiu.
Quando vinha ao país, Pineda se encontrava com Eder e
o recebeu em casa quando o
boxeador voltou aos EUA.
HOJE
Num álbum de fotografias
em branco e preto, Manoel,
agora com 82 anos, aparece
ao lado de Pelé, do cantor Roberto Carlos e de estrelas de
Hollywood. Mas sua memória só desperta ao ver as imagens que compartilha com o
único amigo de quem ainda
sabe o nome, Eder Jofre.
Há oito anos, Pineda luta
contra o mal de Alzheimer recluso em um apartamento no
centro de Buenos Aires, onde
recebeu a Folha para uma
conversa de poucas frases, às
vezes incompletas.
Curvado pela idade, mede
1,63 m, e não pesa mais de 50
kg. Passa os dias em casa,
vendo TV com a ajuda de um
aparelho auditivo, à procura
de um canal que passe lutas
de boxe. "Nem sei quanto peso, tô magrinho, mas tô contente. Ah, se eu pudesse... o
senhor vai falar com o Eder?"
É o único assunto que interessa a Pineda, que recorda
detalhes das principais lutas
do amigo. Depois de um longo silêncio, emocionou-se ao
relatar contato recente com
Eder por telefone.
"Eu falei com o Eder. Esse
garoto derrubou todo mundo. Tantos anos", disse com
a cabeça baixa e chorando.
Há mais de 40 anos, Pineda deixou os EUA, onde morou nas décadas de 50 e 60,
para se instalar na capital argentina. Trabalhou nos consulados brasileiros de Los
Angeles e de Buenos Aires,
como técnico do Itamaraty,
depois de ter sido fotógrafo.
"Quando estava bem, ele
tinha obsessão pelo Eder. Todos os meus namorados precisaram ouvir as histórias dele e olhar as fotos dos dois",
diz a filha Flávia sobre Mané,
como ele era chamado afetuosamente por Eder.
Pineda teve a vida transformada pelo "corralito" argentino, que congelou todas
as suas economias em 2002.
Ao ver que estava financeiramente quebrado, sofreu
um surto psicótico e tentou
suicídio. Trancou-se em casa, com pânico e mania de
perseguição. O desequilíbrio
acionou o Alzheimer, e ele
nunca mais voltou à lucidez.
Ao saber da situação do
amigo, Eder ficou triste, mas
achou ao menos um motivo
para sorrir. "É bacana você
ter um amigo que, mesmo
com Alzheimer, lembra-se de
você. Quer dizer que você
marcou muito a vida dele."
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