São Paulo, segunda-feira, 19 de janeiro de 2004

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FUTEBOL

Buenos Aires vê tragicomédia sobre carreira de astro

Maradona se torna vítima de seu talento em musical na Argentina

CAROLINA VILA-NOVA
DE BUENOS AIRES

É festa em Villa Fiorito: nasceu "Pelusa". Em meio a casebres humildes, os moradores dançam e cantam os feitos futuros do recém-nascido, com frases como "dará alegrias a tanta gente de barriga vazia" e "suas palavras sem medo derrubarão mentiras".
"Pelusa" nada mais é que Diego Armando Maradona e a cena faz parte de "O Dez, entre o céu e o inferno", a auto-intitulada tragicomédia musical sobre a vida do ex-jogador de futebol argentino, que estreou na última semana em Buenos Aires.
"É a história de um menino cuja única felicidade era jogar bola, mas que comete o pecado de ser o melhor", resumiu o jornalista Daniel Dátola, um dos autores da obra e amigo de Maradona há mais de 20 anos.
É também um projeto ambicioso. "A idéia foi estrear a peça na Argentina e daí mostrá-la ao redor do mundo", explicou o produtor do espetáculo, Martin Fried. Segundo ele, o musical custou US$ 500 mil.
O ex-jogador é sócio do projeto e, segundo Fried, tem uma participação "importante" nos lucros obtidos com a peça.
A história começa em 2042, quando Diego Velho (o chileno Franklin Caicedo), sozinho e amargurado, assiste pela televisão à cerimônia de abertura da Copa.
A partir daí, passa a correr sua história -do Diego Menino (Leandro Pereira), que chuta uma bola ao céu para derrubar uma estrela para a mãe, ao astro do futebol, que coloca empresários em apuros com exigências desmedidas para fechar contratos.
Num dos trechos mais aplaudidos pela platéia, um Maradona descontente com a fama pede a Deus -a quem chama de "Barbudo"- que o ajude a "voltar a ser menino". "Me dizem que sou o melhor do mundo, que sei eu? Sempre pensei que os melhores seriam felizes", lamenta, tirando lágrimas da platéia.
O problema do ex-jogador com a cocaína é abordado de maneira metafórica. No quadro chamado "Pesadelo", Maradona se vê preso nos braços de monstros dos quais não consegue se livrar.
O musical termina com um julgamento em que Maradona é acusado "de dar alegria sem permissão aos corações submissos, de praticar magia e enfeitiçar todo um povo". Já os fãs são acusados de "roubar o coração" do ídolo "para colecioná-lo".
"Foi bárbaro. Amamos o Maradona. Realmente, para nós, argentinos, ele é uma parte de Deus", disse a aposentada Lídia Quiroga ao final do espetáculo.
"A parte de que mais gostei é a que o acusam, dizendo coisas que ele nunca disse. Ele nasceu numa villa, teve pouco estudo, mas esteve contra a corrupção, contra tudo", disse ela.
"Não creio que seja uma obra complacente", comentou Dátola. "Diego exibiu seus erros e alguns desses erros são os que foram usados na obra para podermos dramatizar parte dela."
Questionado se a obra apresenta Maradona como vítima, Emilio Bardi, que faz o jogador na fase adulta, devolveu a pergunta.
"A você não parece que é uma vítima? Maradona foi vítima dele próprio, vítima de seu talento, vítima de ser um tipo que diz e faz tudo o que vem na telha", disse, ao fim da apresentação, ainda vestindo a camisa dez.


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