São Paulo, sexta-feira, 19 de agosto de 2005

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FUTEBOL

O direito de xingar

MÁRIO MAGALHÃES
COLUNISTA DA FOLHA

No fundo , o tribunal que se reúne hoje à tarde na rua da Ajuda, Centro do Rio, não vai se pronunciar sobre as expressões "puta que lo pariu" e "concha tu madre". A Quarta Comissão Disciplinar do STJD vai responder, a rigor, se o jogador mais caçado pelos botinudos do país tem o direito de se defender.
O acusado é o corintiano Carlos Tevez. Conforme a súmula assinada por Anselmo da Costa, o atacante foi o autor dos palavrões na derrota para o São Caetano. Eventual condenação dá gancho de duas a seis partidas.
A punição de Tevez seria a vitória dos trogloditas que o agarram, socam e chutam. Consagraria os árbitros que permitem aos truculentos fazer do argentino um saco de pancadas. À impunidade dos agressores, se somaria a punição do agredido. Quem é vítima já virou réu. Só falta ser condenado.
Tevez foi expulso ao se revoltar contra o que considerou mais uma falta não marcada. Segundo o árbitro, disse (em portunhol) "puta que lo pariu". Recebeu o vermelho. Poderia ser um desabafo sem destinatário -a súmula não informa se o atacante se dirigiu a Anselmo da Costa.
Posto na rua, soltou o "concha tu madre". O apitador relata as três palavras, mas não a frase na qual estariam incluídas. Um jogador do Azulão contou que Tevez se referiu à mãe de Da Costa como "piranha", o que não consta da súmula.
O atacante confirma que xingou, mas sustenta que foi xingado primeiro. Um cartola do Corinthians pediu ao quarto árbitro que registrasse a acusação de Tevez. O registro não foi feito. Árbitro que xinga jogador pode reprimir jogador que o xinga? E querem que Tevez dê a outra face...
O sábio dominicano São Tomás de Aquino reconheceu como legítimo o direito à violência. Admitiu o tiranicídio. A autodefesa é prerrogativa dos povos. A Carta das Nações Unidas sacramentou "o direito inerente de legítima defesa individual ou coletiva no caso de ocorrer um ataque armado".
No futebol, "ataques armados" são os carrinhos, cotoveladas e pontapés criminosos. Tevez pouco reage. Explodiu no Pacaembu. Outros teriam explodido antes.
Um palavrão é mais civilizado do que um "puñetazo". Como indagou Nelson Rodrigues: "Como jogar ou como torcer se não podemos xingar ninguém?". O racismo é exceção, caso de polícia dentro e fora do campo. Não se trata disso.
A inveja, esse mal nacional, fez de Tevez o alvo número 1 do rancor nos gramados. Repito: ele apanha porque é craque, porque joga com garra, porque é argentino e porque ganha bem. Também paga por ter vindo no barco nebuloso da MSI. Nada tem a ver com as tenebrosas transações.
É a garantia de brilho no Brasileiro sem Robinho. Não é por isso que merece absolvição. Mas porque a lei não deve ser lida formalmente, e sim interpretada. Ela foi redigida com o propósito de impedir a barbárie no futebol. Tevez é vítima, não algoz. Sua condenação seria o triunfo do mal.

Homens do apito 1
É possível que a conferência de Armando Marques para os árbitros tenha sido mesmo útil. Só não consigo entender o motivo para transformar uma palestra técnica em (mais) uma egotrip de caras e bocas.

Homens do apito 2
Na volta à Federação do Rio, Eduardo Viana pôs Daniel Pomeroy na chefia dos árbitros. Trata-se de um dos envolvidos no escândalo da arbitragem fluminense há uma década. O denunciante, então, foi o agora demitido Cláudio Cerdeira.

Passaporte
Posso estar enganado, mas a única utilidade do amistoso da seleção na Croácia parece ter sido assegurar uma vaga para Ricardinho na Copa.

E-mail mario.magalhaes@uol.com.br


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