São Paulo, domingo, 19 de setembro de 2004

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FUTEBOL

Substituições

JOSÉ ROBERTO TORERO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Intocável leitor, introcável leitora, dou-lhes meus pêsames. E faço isso porque certamente hoje você pensava que iria ler neste espaço as saborosas palavras de Tostão, mas, para sua triste surpresa, eis que hoje ele não pôde escrever e foi substituído por este reles palpiteiro ludopédico.
Mas será apenas hoje. Na próxima partida, ou melhor, coluna, o titular já estará de volta.
De qualquer modo, como tivemos esta substituição, falemos delas, as substituições.
Só na segunda metade do século passado é que elas foram permitidas. Antes, se alguém se machucasse ou estivesse jogando mal, azar de seu time.
Atualmente, porém, temos o banco de reservas, espaço mitológico que às vezes se assemelha a um céu e outras, ao inferno. Inferno para os que lá tem que ficar. Céu para o torcedor, quando sai de lá algum anjo que marca o gol da vitória.
E a palavra banco é ambígua por natureza. Pode ser o banco dos banqueiros ou o banco dos mendigos. Pode ser o Central ou o dos réus.
Mas, no futebol, banco é mesmo o lugar dos reservas, aqueles pobres expectadores que assistem ao jogo de uma posição rente ao gramado, de onde só vêem tufos de grama e pernas cabeludas.
E há alguns célebres, como o goleiro Toinho, excelente reserva de Valdir Peres. Toinho deve ter perdido a conta das vezes que voltou para casa com a camisa lisinha e sem manchas de suor.
Adãozinho, Ferreti, Jair Gonçalves, Guinei, Dinei, Leto e Marcelo Passos também foram habilidosos jogadores que freqüentaram os bancos de seus clubes.
Mas o mais famoso dos gerentes de banco foi Escurinho, astro daquele supertime do Internacional da década de 70. Sua entrada era quase sempre certeza de gol. Sua entrada incendiava o time e enchia o torcedor colorado de esperança. Tornou-se ídolo jogando apenas um tempo por partida. Tratava-se de um grande jogador, porém, estranhamente, parecia jogar melhor quando entrava nos minutos finais.
Atualmente, talvez o jogador que mais se aproxime do fenômeno Escurinho seja Basílio, do Santos. Mesmo sendo reserva, ele já tem 11 gols no Campeonato Brasileiro. Mas o seu caso é mais facilmente explicável. É que Basílio tem como principal característica a velocidade, e, assim, entrando com os outros jogadores já um tanto cansados, ultrapassa-os com mais facilidade. Trata-se de um velocista, não de um fundista, e um bom técnico tem que saber usar essa característica.
Aliás, as substituições ficaram tão importantes que podem ser consideradas um ramo do saber desportivo. E, como qualquer ramo do saber, elas precisam ser classificadas e divididas em categorias. Vamos a elas.
A eterna esperança: É aquela substituição dada como certa e, de certa forma, até esperada pelos torcedores. O jogador, normalmente um atacante, costuma entrar no segundo tempo e deixar a sua marca. Aí o técnico passa a ser chamado de gênio, e o jogador ganha fama de salvador. É o caso dos já citados Escurinho e Basílio.
A grata surpresa: É aquela substituição que ninguém espera, mas que acaba rendendo mais do que se imaginava. Por exemplo, graças à contusão de Emerson, às vésperas da Copa de 2002, vimos o bom futebol de Kléberson. A comissão técnica deve ter derramado lágrimas quando viu que seu titular não tinha mais condições de participar da competição. Mas Kléberson nos rendeu boas jogadas e até participou de gols decisivos, mostrando que ninguém é insubstituível.
Seis por meia dúzia: Infelizmente é a substituição mais freqüente no futebol dos nossos tempos. Um jogador é substituído por um clone. Sai um zagueiro violento, entra um violento zagueiro. Resultado? O jogo continua desinteressante, e nós mudamos de canal.
Decepção certa: E, finalmente, existe aquela substituição que, mal vemos a placa nas mãos do auxiliar, temos vontade de deixar a arquibancada e voltar para casa. É aquela troca em que sabemos que o jogador reserva, por mais que sue a camisa, nunca estará à altura do titular. Em geral esta acontece quando o craque do time se machuca, e aí o treinador tenta segurar o resultado colocando aquele volante sem habilidade, mas voluntarioso. Tentei pensar em algum atleta para exemplificar essa situação, mas nenhuma comparação me pareceu tão boa quanto esta aqui mesmo. Ou seja, estar eu escrevendo no lugar do Tostão.


José Roberto Torero, 40, é jornalista, escritor e cineasta


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