São Paulo, domingo, 19 de novembro de 2000

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FUTEBOL
Em 19 anos de carreira, treinador comanda equipes na primeira divisão nacional há oito temporadas ininterruptas
Scolari se transforma em técnico vitalício


No Cruzeiro, ele pode se tornar único a completar uma década em todas as partidas do Brasileiro


RODRIGO BERTOLOTTO
DA REPORTAGEM LOCAL

O técnico Luiz Felipe Scolari explicou sua mudança para Minas e para o Cruzeiro com uma frase: ""Eu queria sair de foco".
Não conseguiu o intento. Estando por lá, foi alçado à condição quase unânime de melhor treinador para a seleção. Recusou o convite da CBF para seguir acumulando sucessos em times.
Prova disso é que sua equipe termina como líder na fase regular da Copa João Havelange. Além disso, Scolari é, de longe, na atualidade o treinador mais estável na elite do futebol brasileiro.
Há oito temporadas está ininterruptamente comandando equipes na primeira divisão nacional e, se cumprir seu contrato com o Cruzeiro, será o único técnico a completar essa década em todos os jogos do Brasileiro.
Neste período de Grêmio, Palmeiras e Cruzeiro, ele esteve em 193 partidas, obtendo 88 vitórias, 50 empates e 55 derrotas.
Pulou de time para time por opção própria. Numa profissão que se movimenta por demissões, Scolari só foi ejetado de um clube uma vez em sua carreira de 19 anos (leia texto nesta página).
""Sempre visto a camisa do time em que estou, tanto no sentido profissional como no emocional. Procuro uma identidade com a diretoria e a torcida."
Essa estratégia, aliada aos títulos, garantiu a admiração até entre os adversários. ""Os títulos têm 95% da importância na estabilidade. Pode ser o mais bonzinho, o anjinho, o queridinho de todo mundo, perdeu e é degolado."
De 1994 a 2000, ou seja, em sete anos ganhou nove troféus.
Durante sua passagem pelo Palmeiras, conquistou os corintianos, recebendo várias sondagens da diretoria do arqui-rival. Por outro lado, trocou insultos com o dirigente vascaíno Eurico Miranda, que depois quis contratá-lo.
""Essa briga não precisava ter. Podia ter fechado uma porta. Mas, quando defendo um time, vou brigar mesmo."
Ele recusou ir para o Rio (Vasco), assim também fez com propostas de Paris (PSG) e Sevilla (Betis), para achar tranquilidade em Belo Horizonte. ""Queria sair do eixo Rio-São Paulo, onde tu te valorizas, mas também te desgastas muito. Queria qualidade de vida, não pegar trânsito, poder jantar com a família, meus filhos estudarem tranquilos."
Esse mesmo eixo Rio-SP que ele incomodou com seu Grêmio a partir de 1994. Os técnicos Telê Santana (São Paulo) e Wanderley Luxemburgo (Palmeiras), sumidades à época, afirmavam que Scolari estimulava a violência.
""Alguma desculpa tinha de ser dada. Fazia tempo que os times do Sul não vinham forte. Como ganhava deles, acabaram criando a imagem sobre mim."
Apesar de apresentar estatísticas para provar que suas equipes nunca são as mais faltosas em competição, Scolari convive bem com o rótulo de ""xerifão".
Não se inibe também em classificar seu estilo como ""futebol de resultado", termo cunhado por seus críticos. ""Os poéticos do futebol são dez, enquanto os torcedores querendo títulos são 100 mil", adora responder.
Ele também espezinha seus opositores. Chamou de ""turma do amendoim" quem o vaiava das tribunas do Parque Antarctica.
Por outro lado, o técnico alimenta o apelido de ""xerifão", que já o seguia quando era jogador.
""Tenho espírito de liderança desde a época de zagueiro. Era capitão, gritava muito e discutia até os prêmios com a diretoria. Por isso, foi fácil virar técnico."
Hoje em dia, ele dá palestra para executivos sobre como controlar e motivar seus subordinados.
""Muita coisa dá para aplicar nas empresas. Mas nem tudo." Ele não aconselha, por exemplo, espionar a vida noturna dos funcionários, como ele próprio faz com os jogadores por meio de uma rede de informantes.
Também acredita que coisas de empresa não combinam com o futebol. Os ternos, por exemplo. Adepto do short e boné, critica os técnicos elegantes. ""É frescura. Parece até que vai para missa."
Se seus times não são assim violentos, ele cultua uma imagem de truculência em gestos e opiniões.
Gestos como o soco dado em Wanderley Luxemburgo em 1995 durante partida da Copa do Brasil, à beira do gramado. Em 1998, foi a vez de agredir um jornalista.
Ou quando se colocou a favor do ex-ditador chileno Augusto Pinochet, acusado de crimes aos direitos humanos durante seu governo (1973-1990)
""(No Chile) O pessoal estava meio desajeitado. Ele pode ter feito uma ou outra retaliaçãozinha aqui e ali, mas fez muito mais do que não fez", disse o técnico que começou sua carreira no CSA alagoano, quando Fernando Collor de Mello era dirigente do clube.
Quando fala de sua época de zagueiro, se entusiasma ainda mais.
""Rival que tentasse fazer festa na minha área assinava seu atestado de óbito."
""Eu mirava no medalhão do colar do atacante e era lá mesmo que chutava."
Diz que não consegue trabalhar sem xingar seus subordinados, mas acha que seus colegas têm mais boca suja.
""Quando o jogo é difícil, até viro o microfone das TVs para que não peguem meus palavrões. Não quero que as pessoas tenham uma má imagem de mim", diz Scolari. ""As TVs são muito invasivas e tiram a espontaneidade da gente", completa.
Enquanto suas opiniões política e esportiva não mudaram muito, sua visão do selecionado nacional deu uma guinada. ""Só quando a CBF sair do Rio eu posso pensar em seleção", dizia dois anos atrás.
""Eu mudei de idéia, mas não totalmente", assume. ""Só vou para a seleção, com um projeto e um grupo de auxiliares definidos. Não quero entrar e sair."
Esse temor fez recusar o posto vago após a saída de Luxemburgo. Ele queria toda sua trupe e um prazo para trabalhar.
Prova de sua fidelidade é sua relação com o auxiliar-técnico Flávio Texeira, o Murtosa, que o acompanha há 17 anos.


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