São Paulo, domingo, 19 de dezembro de 2004

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FUTEBOL

De tão competitivo, atleta, que concorre amanhã a prêmio de melhor do ano, ensaia os dribles que no jogo modifica

Até par ou ímpar atormenta Ronaldinho

SARAH RINK
FREE-LANCE PARA A FOLHA, EM BARCELONA

Garoto-propaganda, modelo, badalado, milionário e cotado pela Fifa como melhor jogador do mundo aos 24 anos em eleição que acontece amanhã na Suíça. Ronaldo de Assis Moreira, o Ronaldinho, do Barcelona, só tem motivos para rir. E ri muito, todo o tempo, até quando erra.
Em entrevista à Folha, no estádio Camp Nou, ele reconhece, porém, que é "muito competitivo" e que uma derrota pode acabar com o seu bom humor. "Nem no par ou ímpar gosto de perder."
Apesar de se dizer caseiro, o craque tem fama de não ser santo e pode ser encontrado com facilidade pelas discotecas da cidade.
A casa do atleta em Castelldefels, a 20 minutos de Barcelona, é ponto certo de um bom churrasco de domingo, regado a pagode e animado pelo grupo de amigos. No local, que ele chama de "barraco" (mas tem quatro quartos e não faz jus ao apelido), moram a prima Áurea, Thiago, que ele chama de primo, mas é seu melhor amigo de infância, Quinho, seu preparador físico, e a irmã Deisi, que é sua assessora de imprensa.
Sempre bem disposto, diz adorar a Espanha, encara com tranqüilidade a maratona de entrevistas, campanhas publicitárias, fotos, treinos e jogos. E tudo isso, afirma, sem perder o ritmo.
Além da torcida, ele encanta a diretoria do Barcelona. Nesta semana, o presidente do clube, Joan Laporta, disse que "não cede o Ronaldinho a outro time, por dinheiro nenhum", em resposta ao bilionário russo Roman Abramovich, dono do Chelsea, que disse mais de uma vez que sonha em ter em seu time a dupla de Ronaldos.
Para tirá-lo da Espanha, além da multa rescisória de 100 milhões (quase R$ 400 milhões), o interessado terá que convencer Ronaldinho, que se diz "mais que contente" entre os catalães. E o gaúcho não dribla só em campo mas também todo curioso que tente especular sobre sua vida pessoal.
 

Folha - O vice do Barça, Sandro Rosell, disse que você é um "presente de Deus". Você já declarou que, se pudesse, assinaria um contrato com o clube por mais dez anos. Entre você e o Barcelona, é namoro, noivado ou casamento?
Ronaldinho -
Não sei, aqui é tudo muito legal, já desde o início foi tudo muito diferente, no primeiro dia já tinha 35 mil pessoas esperando no campo. E cada dia me tratam com mais carinho, melhor. Não tem como não sair bem.

Folha - Mas, se tivesse oferta generosa, como a do Chelsea, sairia?
Ronaldinho -
No futebol, as coisas acontecem muito rápido. Você não sabe o que vai acontecer daqui a dois, três anos, ou daqui a cinco. De repente, muda a diretoria, muda o trabalho que está sendo feito. Mas hoje eu não sairia do Barça, estou realizado. Com o que eu tenho aqui, sou mais que feliz.

Folha - Falam que você joga melhor aqui do que na seleção...
Ronaldinho -
É diferente. Aqui no Barça a gente joga duas vezes por semana, é um entrosamento diferente. No Brasil, a gente chega, treina dois dias e tem que jogar. Aqui a coisa acontece mais naturalmente, está automatizado.

Folha - Você é conhecido mais por dar assistências do que por fazer gols. O que dá mais prazer, fazer um golaço ou dar aquele olé?
Ronaldinho -
O que eu mais gosto é de dar assistência para gol. Se acabo o jogo e dei dois ou três passes e fiz um golzinho, a noite está ganha. Acho que é por isso que a bola chega com freqüência, porque sabem que vou deixá-los em boas condições, têm a confiança.

Folha - Os dribles são ensaiados?
Ronaldinho -
Tudo é treino. Mas de repente sai metade de um drible, com metade de outro. No futebol, não tem jeito, é muito rápido, se vêm para cima de você, tem que inventar, faz parte de um drible, mas acaba com outro. São três segundos para decidir, passa um filme na sua cabeça e você faz.

Folha - Qual o melhor jogador com quem já atuou?
Ronaldinho -
Tem muitos. Rivaldo, Romário, Ronaldo, Roberto Carlos. Jogar com eles é sempre aprender algo.

Folha - O Romário se disse o melhor brasileiro depois de Pelé. Você se encaixa nessa lista?
Ronaldinho -
O Pelé é o melhor de todos, ninguém vai ser melhor do que ele. E olha que nunca o vi jogar, só no vídeo. Adoro ver filmes de futebol. Me inspiro neles.

Folha - Quando erra em campo, você sai sorrindo. É um otimista?
Ronaldinho -
Completamente, 100%. Penso que, se não deu nessa, dá na próxima. E ficar bravo é pior, então é melhor ir em frente.

Folha - Mas você ri do quê?
Ronaldinho -
Às vezes nem estou rindo, mas, pelo fato de ter os dentes para fora, as pessoas acham que estou rindo...

Folha - E o que o chateia?
Ronaldinho -
Muita coisa. Acho que não vencer. Não ganhar. Sou muito competitivo. Se entrei, tenho que ganhar. Se for jogar par ou ímpar aqui com você agora, tenho que ganhar. Se perder, vou para casa pensando: "Como é que eu perdi para ela no par ou ímpar?". Nem que eu tenha que treinar em casa...

Folha - Então ficará chateado se não ganhar o prêmio de melhor jogador do ano da Fifa?
Ronaldinho -
Aí não é assim, não tem nada a ver. Vou ficar feliz da vida se me derem, mas acho que ganhar com o time é diferente.

Folha - Ganhar a Copa dos Campeões seria melhor?
Ronaldinho -
Ganhar título é algo especial, vim para isso. Para fazer parte da história do clube.

Folha - O que acha do Henry e do Shevchenko, que lutam com você pelo prêmio de melhor jogador?
Ronaldinho -
Com o Henry estou o ano todo, fazendo propagandas, a gente se dá muito bem. O Shevchenko eu não conheço bem. São atletas muito bons, sem dúvida. Só de estar entre eles é uma grande alegria.

Folha - Quando começou no Grêmio, pensava em ser o melhor do mundo?
Ronaldinho -
Não. Tinha sete anos, meu sonho era ser jogador profissional no Grêmio e na seleção. Depois, já na adolescência, olhando os meus ídolos, o Romário na Copa-94, eu pensava em seguir os passos dele. E depois o Ronaldo. Todos os melhores jogadores passaram por aqui, e isso me deixou pensando mais no clube. Comecei a me imaginar aqui.

Folha - O que acha do Grêmio ter caído para a segunda divisão?
Ronaldinho -
Eu acompanho de perto o Brasileiro, tenho muitos amigos jogando lá. Eu fico triste, sei que é uma situação horrível, torço para que eles possam se recuperar e dar a volta por cima.

Folha - Você tem alguma mágoa do Grêmio, após os episódios que marcaram a sua ida para o PSG?
Ronaldinho -
Mágoa não. O Grêmio foi e sempre vai ser muito importante. Dos 7 aos 21 anos, foi uma história "show". Lá conheço do faxineiro ao diretor. Todos me viram nascer, me ajudaram muito. No momento que saí, fiquei chateado com os dirigentes da época, mas com o clube nunca.

Folha - Já pensou em voltar?
Ronaldinho -
É diferente. Todo atleta imagina que, quando parar de jogar, pode voltar ao clube onde começou. Para mim falta tanto tempo para parar que nem sei...

Folha - Quais foram os jogos mais importantes do ano para você?
Ronaldinho -
Os clássicos são sempre os mais interessantes. Para mim, os mais importantes foram contra Real Madrid e Milan.

Folha - Profissionalmente nota-se que você está feliz. O que falta?
Ronaldinho -
Falta muita coisa, muita. Falta realizar muitos sonhos. Cada dia imagino uma coisa diferente. Ganhar muitos títulos, com a seleção, com o Barça.

Folha - E o coração? Uma família, filhos? Essa é a próxima etapa?
Ronaldinho -
Imagino ter família, muitos filhos, não sei quantos. Gosto de casa cheia, de barulho, de música alta. De sentir que não estou sozinho. Não sei se é a próxima etapa. A minha vida privada tento deixar mais fechada. Não falo sobre as minhas namoradas.

Folha - Namoradas, no plural?
Ronaldinho -
Eu tive, claro, mais de uma namorada nesse tempo. Mas nunca tive vontade de mostrar. Prefiro um lado mais meu.

Folha - Apresentou-as a sua mãe?
Ronaldinho -
Claro, algumas...

Folha - E o seu guarda-roupa?
Ronaldinho -
Eu cuido, ué. Não tem nada melhor, chegar e escolher o que vou vestir hoje. Mas a Nike me dá muita coisa...

Folha - O cabelo é marketing ou opção pessoal?
Ronaldinho -
Usava curtinho. Mas, quando vim para a França, fazia frio, daí deixei crescer e não cortei mais. E fora que dá para fazer um monte de coisas, tem dia que saio de trança, tem dia que está black power. Há várias opções.

Folha - Qual o presente que você pediria ao Papai Noel?
Ronaldinho -
Saúde para a minha família e para mim. O resto eu corro atrás.


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