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FUTEBOL
De tão competitivo, atleta, que concorre amanhã a prêmio de melhor do ano, ensaia os dribles que no jogo modifica
Até par ou ímpar atormenta Ronaldinho
SARAH RINK
FREE-LANCE PARA A FOLHA, EM BARCELONA
Garoto-propaganda, modelo,
badalado, milionário e cotado pela Fifa como melhor jogador do
mundo aos 24 anos em eleição
que acontece amanhã na Suíça.
Ronaldo de Assis Moreira, o Ronaldinho, do Barcelona, só tem
motivos para rir. E ri muito, todo
o tempo, até quando erra.
Em entrevista à Folha, no estádio Camp Nou, ele reconhece, porém, que é "muito competitivo" e
que uma derrota pode acabar
com o seu bom humor. "Nem no
par ou ímpar gosto de perder."
Apesar de se dizer caseiro, o craque tem fama de não ser santo e
pode ser encontrado com facilidade pelas discotecas da cidade.
A casa do atleta em Castelldefels, a 20 minutos de Barcelona, é
ponto certo de um bom churrasco
de domingo, regado a pagode e
animado pelo grupo de amigos.
No local, que ele chama de "barraco" (mas tem quatro quartos e
não faz jus ao apelido), moram a
prima Áurea, Thiago, que ele chama de primo, mas é seu melhor
amigo de infância, Quinho, seu
preparador físico, e a irmã Deisi,
que é sua assessora de imprensa.
Sempre bem disposto, diz adorar a Espanha, encara com tranqüilidade a maratona de entrevistas, campanhas publicitárias, fotos, treinos e jogos. E tudo isso,
afirma, sem perder o ritmo.
Além da torcida, ele encanta a
diretoria do Barcelona. Nesta semana, o presidente do clube, Joan
Laporta, disse que "não cede o
Ronaldinho a outro time, por dinheiro nenhum", em resposta ao
bilionário russo Roman Abramovich, dono do Chelsea, que disse
mais de uma vez que sonha em ter
em seu time a dupla de Ronaldos.
Para tirá-lo da Espanha, além da
multa rescisória de 100 milhões
(quase R$ 400 milhões), o interessado terá que convencer Ronaldinho, que se diz "mais que contente" entre os catalães. E o gaúcho
não dribla só em campo mas também todo curioso que tente especular sobre sua vida pessoal.
Folha - O vice do Barça, Sandro
Rosell, disse que você é um "presente de Deus". Você já declarou
que, se pudesse, assinaria um contrato com o clube por mais dez
anos. Entre você e o Barcelona, é
namoro, noivado ou casamento?
Ronaldinho - Não sei, aqui é tudo
muito legal, já desde o início foi
tudo muito diferente, no primeiro
dia já tinha 35 mil pessoas esperando no campo. E cada dia me
tratam com mais carinho, melhor. Não tem como não sair bem.
Folha - Mas, se tivesse oferta generosa, como a do Chelsea, sairia?
Ronaldinho - No futebol, as coisas acontecem muito rápido. Você não sabe o que vai acontecer
daqui a dois, três anos, ou daqui a
cinco. De repente, muda a diretoria, muda o trabalho que está sendo feito. Mas hoje eu não sairia do
Barça, estou realizado. Com o que
eu tenho aqui, sou mais que feliz.
Folha - Falam que você joga melhor aqui do que na seleção...
Ronaldinho - É diferente. Aqui
no Barça a gente joga duas vezes
por semana, é um entrosamento
diferente. No Brasil, a gente chega, treina dois dias e tem que jogar. Aqui a coisa acontece mais
naturalmente, está automatizado.
Folha - Você é conhecido mais por
dar assistências do que por fazer
gols. O que dá mais prazer, fazer um
golaço ou dar aquele olé?
Ronaldinho - O que eu mais gosto é de dar assistência para gol. Se
acabo o jogo e dei dois ou três passes e fiz um golzinho, a noite está
ganha. Acho que é por isso que a
bola chega com freqüência, porque sabem que vou deixá-los em
boas condições, têm a confiança.
Folha - Os dribles são ensaiados?
Ronaldinho - Tudo é treino. Mas
de repente sai metade de um drible, com metade de outro. No futebol, não tem jeito, é muito rápido, se vêm para
cima de você,
tem que inventar, faz parte de
um drible, mas
acaba com outro. São três segundos para
decidir, passa
um filme na
sua cabeça e
você faz.
Folha - Qual o
melhor jogador
com quem já
atuou?
Ronaldinho - Tem muitos. Rivaldo, Romário, Ronaldo, Roberto
Carlos. Jogar com eles é sempre
aprender algo.
Folha - O Romário se disse o melhor brasileiro
depois de Pelé.
Você se encaixa
nessa lista?
Ronaldinho -
O Pelé é o melhor de todos,
ninguém vai
ser melhor do
que ele. E olha
que nunca o vi
jogar, só no vídeo. Adoro ver
filmes de futebol. Me inspiro
neles.
Folha - Quando erra em campo,
você sai sorrindo. É um otimista?
Ronaldinho - Completamente,
100%. Penso que, se não deu nessa, dá na próxima. E ficar bravo é
pior, então é melhor ir em frente.
Folha - Mas você ri do quê?
Ronaldinho - Às vezes nem estou
rindo, mas, pelo fato de ter os
dentes para fora, as pessoas
acham que estou rindo...
Folha - E o que o chateia?
Ronaldinho - Muita coisa. Acho
que não vencer. Não ganhar. Sou
muito competitivo. Se entrei, tenho que ganhar. Se for jogar par
ou ímpar aqui com você agora, tenho que ganhar. Se perder, vou
para casa pensando: "Como é que
eu perdi para ela no par ou ímpar?". Nem que eu tenha que treinar em casa...
Folha - Então ficará chateado se
não ganhar o prêmio de melhor jogador do ano da Fifa?
Ronaldinho - Aí não é assim, não
tem nada a ver. Vou ficar feliz da
vida se me derem, mas acho que
ganhar com o time é diferente.
Folha - Ganhar a Copa dos Campeões seria melhor?
Ronaldinho - Ganhar título é algo especial,
vim para isso.
Para fazer parte da história
do clube.
Folha - O que
acha do Henry e
do Shevchenko,
que lutam com
você pelo prêmio de melhor
jogador?
Ronaldinho -
Com o Henry
estou o ano todo, fazendo
propagandas, a gente se dá muito
bem. O Shevchenko eu não conheço bem. São atletas muito
bons, sem dúvida. Só de estar entre eles é uma grande alegria.
Folha - Quando começou no
Grêmio, pensava em ser o melhor do mundo?
Ronaldinho -
Não. Tinha sete anos, meu
sonho era ser
jogador profissional no Grêmio e na seleção. Depois, já
na adolescência, olhando os
meus ídolos, o
Romário na Copa-94, eu pensava
em seguir os passos dele. E depois
o Ronaldo. Todos os melhores jogadores passaram por aqui, e isso
me deixou pensando mais no clube. Comecei a me imaginar aqui.
Folha - O que acha do Grêmio ter
caído para a segunda divisão?
Ronaldinho - Eu acompanho de
perto o Brasileiro, tenho muitos
amigos jogando lá. Eu fico triste,
sei que é uma situação horrível,
torço para que eles possam se recuperar e dar a volta por cima.
Folha - Você tem alguma mágoa
do Grêmio, após os episódios que
marcaram a sua ida para o PSG?
Ronaldinho - Mágoa não. O Grêmio foi e sempre vai ser muito importante. Dos 7 aos 21 anos, foi
uma história "show". Lá conheço
do faxineiro ao diretor. Todos me
viram nascer, me ajudaram muito. No momento que saí, fiquei
chateado com os dirigentes da
época, mas com o clube nunca.
Folha - Já pensou em voltar?
Ronaldinho - É diferente. Todo
atleta imagina que, quando parar
de jogar, pode voltar ao clube onde começou. Para mim falta tanto
tempo para parar que nem sei...
Folha - Quais foram os jogos mais
importantes do ano para você?
Ronaldinho - Os clássicos são
sempre os mais interessantes. Para mim, os mais importantes foram contra Real Madrid e Milan.
Folha - Profissionalmente nota-se
que você está feliz. O que falta?
Ronaldinho - Falta muita coisa,
muita. Falta realizar muitos sonhos. Cada dia imagino uma coisa diferente. Ganhar muitos títulos, com a seleção, com o Barça.
Folha - E o coração? Uma família,
filhos? Essa é a próxima etapa?
Ronaldinho - Imagino ter família, muitos filhos, não sei quantos.
Gosto de casa cheia, de barulho,
de música alta. De sentir que não
estou sozinho. Não sei se é a próxima etapa. A minha vida privada
tento deixar mais fechada. Não falo sobre as minhas namoradas.
Folha - Namoradas, no plural?
Ronaldinho - Eu tive, claro, mais
de uma namorada nesse tempo.
Mas nunca tive vontade de mostrar. Prefiro um lado mais meu.
Folha - Apresentou-as a sua mãe?
Ronaldinho - Claro, algumas...
Folha - E o seu guarda-roupa?
Ronaldinho - Eu cuido, ué. Não
tem nada melhor, chegar e escolher o que vou vestir hoje. Mas a
Nike me dá muita coisa...
Folha - O cabelo é marketing ou
opção pessoal?
Ronaldinho - Usava curtinho.
Mas, quando vim para a França,
fazia frio, daí deixei crescer e não
cortei mais. E fora que dá para fazer um monte de coisas, tem dia
que saio de trança, tem dia que está black power. Há várias opções.
Folha - Qual o presente que você
pediria ao Papai Noel?
Ronaldinho - Saúde para a minha família e para mim. O resto eu
corro atrás.
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