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XICO SÁ
Peladeiros do mundo, divirtam-se
O golaço de Messi prova que só a falta de responsabilidade de uma pelada pode botar no chão a chata aplicação tática
AMIGO TORCEDOR , amigo secador, só quem não deixa morrer o peladeiro que foi um dia
é capaz de fazer um gol como o do
Messi, do Barça, um milésimo de beleza mais bonito do que a obra-prima do Maradona. Porque só o peladeiro acredita que vai driblar todo
mundo, só a irresponsabilidade da
pelada é capaz de fazer da aplicação
e dos rígidos esquemas uma ficção
européia de péssimo gosto.
As escolinhas de futebol, quase
obrigatórias para os futuros craques,
estão acabando com o sétimo sentido peladeiro. Hoje em dia você vê
um moleque de 12, 13 anos obediente ao seu técnico como um espartano, como um soldado melancólico
no coração das trevas.
Se tem um time jogando com o espírito de pelada, este é o Botafogo.
O Dodô, aliás, tem o maior sorriso
de peladeiro que já se viu no Maraca.
Que atleta obediente daria aquela irresponsável bicicleta que resultou
no seu último golaço? Até o Cuca,
que era um cricri, foi tomado pelo
espírito da várzea. Viram como ele
se atirou no chão após eliminar o
Vasco? O alvinegro tem pedigree: foi
dele o maior peladeiro de todos os
tempos, o 7 cabalístico, o anjo torto.
O Souza, do São Paulo, é 100% peladeiro. Está em todos os cantos, defende, ataca, ri da cara dos joões obedientes e, quando fala à latinha, é
mais peladeiro ainda, despindo o futebol do fraque e da cartola dos tempos do Charles Miller. Souza implantou definitivamente um coração suburbano no peito do outrora
time pó-de-arroz dos bacanas.
Esse menino Everton, do Braga, é
outro com alma de pelada, assim como Somália, do São Caetano.
O caso mais emblemático dos últimos tempos é o de Zé Roberto. Era
eficiente, correto, mas não passava
de um alemão qualquer na Europa.
No Santos, redescobriu o prazer das
peladas da zona leste paulistana, o
cara arranca, dá caneta, lençol, pedala, faz gol de letra...
No Palmeiras, Edmundo tem o elã
de peladeiro. Às vezes até exagera,
saindo no tapa mesmo, como num
bom domingo poeirento de bairro.
O Corinthians anda mal por ter
perdido a sua pegada de "Desafio ao
Galo", para citar o ilustre torneio
amador destas plagas. Só os cartolas
continuam peladeiros natos. E, para
ter um time que jogue bonito como
numa pelada clássica, é preciso o
contrário, que a diretoria seja profissa, só assim a equipe se solta.
A sorte é que pegou o desfalcado
Náutico, o mais grego dos nossos
clubes, cujo técnico, o PC Gusmão,
acredita ser o maior estrategista do
planeta. Só ele a essa altura acredita
nisso. Nem o mais ingênuo torcedor
da Timbucana cai nesse conto. Até a
solitária cabrita que pasta sob o sol
no gramado careca do campo do São
Cristóvão, como testemunha o amigo Lírio, sabe que está nos peladeiros o grande esquema. O Barça, de
Messi e Ronaldinho, joga com esse
desenho anárquico, todo mundo em
qualquer parte do campo.
O técnico Luxemburgo, por mais
que capriche no paletó e na gravata,
põe os times para jogar como na várzea, sempre no ataque, com troca de
posições constantes, a mais pura pelada. Muricy é outro adepto, seus times não sabem conter o jogo. Abel
Braga nem tanto, joga sempre como
estivesse dirigindo time pequeno,
assim como Celso Roth, Joel Santana, Antônio Lopes etc.
Gols como o do Messi são a maior
propaganda universal a favor dos
peladeiros. O resto é esnobismo de
prancheta e lições furadas de auto-ajuda. Só a pelada salva a arte ludopédica. Não encaramos crise de
bons atletas, a crise é o freio de mão
dos técnicos, as amarras, a pedagogia tacanha das escolinhas, o fetiche
de esquemas, a obediência cega.
A irresponsabilidade da pelada
deveria ser disciplina obrigatória em
todas as escolas do país, é nossa verdadeira educação moral e cívica, é
uma lição para a existência!
xico.folha uol.com.br
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