São Paulo, sexta-feira, 20 de abril de 2007

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XICO SÁ

Peladeiros do mundo, divirtam-se

O golaço de Messi prova que só a falta de responsabilidade de uma pelada pode botar no chão a chata aplicação tática

AMIGO TORCEDOR , amigo secador, só quem não deixa morrer o peladeiro que foi um dia é capaz de fazer um gol como o do Messi, do Barça, um milésimo de beleza mais bonito do que a obra-prima do Maradona. Porque só o peladeiro acredita que vai driblar todo mundo, só a irresponsabilidade da pelada é capaz de fazer da aplicação e dos rígidos esquemas uma ficção européia de péssimo gosto.
As escolinhas de futebol, quase obrigatórias para os futuros craques, estão acabando com o sétimo sentido peladeiro. Hoje em dia você vê um moleque de 12, 13 anos obediente ao seu técnico como um espartano, como um soldado melancólico no coração das trevas. Se tem um time jogando com o espírito de pelada, este é o Botafogo. O Dodô, aliás, tem o maior sorriso de peladeiro que já se viu no Maraca. Que atleta obediente daria aquela irresponsável bicicleta que resultou no seu último golaço? Até o Cuca, que era um cricri, foi tomado pelo espírito da várzea. Viram como ele se atirou no chão após eliminar o Vasco? O alvinegro tem pedigree: foi dele o maior peladeiro de todos os tempos, o 7 cabalístico, o anjo torto.
O Souza, do São Paulo, é 100% peladeiro. Está em todos os cantos, defende, ataca, ri da cara dos joões obedientes e, quando fala à latinha, é mais peladeiro ainda, despindo o futebol do fraque e da cartola dos tempos do Charles Miller. Souza implantou definitivamente um coração suburbano no peito do outrora time pó-de-arroz dos bacanas. Esse menino Everton, do Braga, é outro com alma de pelada, assim como Somália, do São Caetano. O caso mais emblemático dos últimos tempos é o de Zé Roberto. Era eficiente, correto, mas não passava de um alemão qualquer na Europa.
No Santos, redescobriu o prazer das peladas da zona leste paulistana, o cara arranca, dá caneta, lençol, pedala, faz gol de letra... No Palmeiras, Edmundo tem o elã de peladeiro. Às vezes até exagera, saindo no tapa mesmo, como num bom domingo poeirento de bairro.
O Corinthians anda mal por ter perdido a sua pegada de "Desafio ao Galo", para citar o ilustre torneio amador destas plagas. Só os cartolas continuam peladeiros natos. E, para ter um time que jogue bonito como numa pelada clássica, é preciso o contrário, que a diretoria seja profissa, só assim a equipe se solta.
A sorte é que pegou o desfalcado Náutico, o mais grego dos nossos clubes, cujo técnico, o PC Gusmão, acredita ser o maior estrategista do planeta. Só ele a essa altura acredita nisso. Nem o mais ingênuo torcedor da Timbucana cai nesse conto. Até a solitária cabrita que pasta sob o sol no gramado careca do campo do São Cristóvão, como testemunha o amigo Lírio, sabe que está nos peladeiros o grande esquema. O Barça, de Messi e Ronaldinho, joga com esse desenho anárquico, todo mundo em qualquer parte do campo. O técnico Luxemburgo, por mais que capriche no paletó e na gravata, põe os times para jogar como na várzea, sempre no ataque, com troca de posições constantes, a mais pura pelada. Muricy é outro adepto, seus times não sabem conter o jogo. Abel Braga nem tanto, joga sempre como estivesse dirigindo time pequeno, assim como Celso Roth, Joel Santana, Antônio Lopes etc. Gols como o do Messi são a maior propaganda universal a favor dos peladeiros. O resto é esnobismo de prancheta e lições furadas de auto-ajuda. Só a pelada salva a arte ludopédica. Não encaramos crise de bons atletas, a crise é o freio de mão dos técnicos, as amarras, a pedagogia tacanha das escolinhas, o fetiche de esquemas, a obediência cega. A irresponsabilidade da pelada deveria ser disciplina obrigatória em todas as escolas do país, é nossa verdadeira educação moral e cívica, é uma lição para a existência! xico.folha uol.com.br


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