São Paulo, domingo, 20 de abril de 2008

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No Japão, ele ensina judô "brasileiro"

Imigrante, operário e, agora, de novo professor, Edson Barbosa emplaca filha na Olimpíada e sonha com filho campeão

Do interior de São Paulo a Hamamatsu, pai de atleta olímpica supera frustrações, crises, perda da faixa preta e até proibição de ensinar

Alex Almeida/Folha Imagem
A judoca Danielli Yuri, 24, titular da seleção brasileira de judô e filha do professor radicado no Japão Edson Barbosa, se exercita durante treinamento em São Caetano para os Jogos de Pequim

LUÍS FERRARI
ENVIADO ESPECIAL A TÓQUIO

Imagine um imigrante japonês fundar uma escola de samba no Rio e ensinar aos cariocas macetes da cuíca. Foi mais ou menos isso que fez Edson Barbosa. Há 13 anos no Japão, ele é hoje dono de academia de judô no país de origem do esporte.
Em agosto, verá uma de suas pupilas mais queridas lutar nos Jogos de Pequim: a filha Danielli Yuri, na categoria até 63 kg. Será o ponto culminante de uma história marcada pela dramática superação de obstáculos, como costuma acontecer nas sagas de imigrantes.
A exemplo da situação dos primeiros japoneses que decidiram cruzar o mundo para se estabelecer no Brasil há exatos cem anos, foi a busca por melhores condições financeiras que motivou a família Barbosa a tentar a sorte no Japão.
Casado com uma nissei (filha de japoneses), Edson, professor de judô natural de Registro (a 231 km de São Paulo), resolveu arriscar. Estava desapontado por ter trocado a posição de administrador de uma construtora por um projeto de desenvolvimento na modalidade, que reduziu de 10 para 2 salários mínimos sua renda no Brasil.
"Cheguei ao Japão em 1995 e caí na fábrica, como a maioria dos brasileiros. Desembarquei com 105 kg. Após um ano, pesava 82 kg. A diferença perdi carregando roda de carro. Entrava às 4h30 da madrugada e saía 18h. Fiz isso até a coluna não suportar mais. Quando não agüentava mais calçar a meia no pé, desisti", conta ele.
O esforço na fábrica de autopeças não o afastou dos tatames. À noite, tentava manter-se em atividade. E precisou recomeçar. "No Brasil, era faixa preta terceiro dan. Mas os japoneses falaram que aqui no Japão isso não valia nada. Então me deram a faixa branca."
Não foi o único contratempo que encarou de quimono. Ele conta que muitas técnicas que tentava praticar, depois de enfim conseguir a faixa preta, eram encaradas pelos locais como "golpe sujo, técnica proibida ou coisa de estrangeiro" e geravam reações dos puristas professores japoneses.
A solução foi encontrar um horário e um local para voltar a ensinar por conta própria, sem a interferência dos "donos do judô". No início, reunia brasileiros à noite e aos domingos em uma academia em Hamamatsu. A cidade concentra a maior parcela da comunidade verde-e-amarela no Japão e é onde Edson vive até hoje.
"A gente fazia uma vaquinha no final, para bancar os custos. O objetivo, nessa época [1997], era reunir os brasileiros praticantes de judô no Japão."
Com os treinos engrenando, conseguiu montar uma equipe, que passou a ter destaque nas competições locais.
"Mas tinha três filhos em idade escolar e muitos gastos, tanto que fazia bico de segurança algumas noites. O judô era extra e à noite. Só consegui sair da fábrica em 2002, depois que a recessão causada pelos ataques terroristas nos Estados Unidos deixou muitos operários no Japão desempregados. A maioria deles era brasileira."
O seguro-desemprego, aliado aos trabalhos que conseguiu como professor de judô nas academias japonesas, deu o empurrão que faltava e, em janeiro de 2003, Edson, 46, abriu sua própria escola.
"Mas só posso ter alunos brasileiros. Os japoneses falam que não tem sentido um brasileiro ensinar judô a eles." Hoje são 74 alunos matriculados. O mais novo tem seis anos, e o mais velho, mais de 40.
O maior destaque é "Eduardo Katsuhiro, como é conhecido no Japão o meu filho Dudu", conta o pai sobre o rapaz de 16 anos, sensação em torneios escolares para sua idade.
Edson não esconde que deposita até mais esperanças no caçula que em Danielli. Diz que só espera mais um ou dois anos, até o filho concluir o ensino médio no Japão, para mandá-lo de volta ao Brasil, onde acredita que o garoto possa suceder estrelas como o campeão mundial Tiago Camilo na seleção.


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