São Paulo, sábado, 20 de maio de 2000


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Um vice de valor


Skate brasileiro obtém resultados que incomodam os EUA e, com novas ações locais, tenta se aproximar do surfe no país
JOÃO CARLOS BOTELHO
DA REPORTAGEM LOCAL

Um recorrente comentário na imprensa esportiva brasileira, que ser vice não tem valor no país, não se aplica ao skate nacional.
Consolidado como a segunda força mundial da modalidade, o Brasil vem obtendo nesta temporada resultados que o credenciam a rivalizar com os EUA, a principal potência do esporte.
Além disso, em termos de organização, uma antiga deficiência da modalidade no país, com campeonatos agendados e desmarcados, algumas ações neste ano configuram um início de evolução.
Nesse aspecto, trabalha-se sempre sob a perspectiva de conseguir se aproximar do que já alcançou o surfe, o esporte de ação mais bem estruturado no Brasil.
Nas competições internacionais, representantes do país lideram os rankings das duas categorias da Copa do Mundo de skate, o circuito anual da modalidade.
Na vertical (em pistas geralmente em forma de ""u"), o primeiro colocado é Bob Burnquist, que ganhou três das quatro provas disputadas até agora -a quinta, na Flórida (EUA), tem término programado para amanhã- e possui grande vantagem sobre o vice-líder. As três vitórias foram seguidas.
Ex-morador da capital paulista, Burnquist deu o salto de sua carreira ao se mudar para o Estado da Califórnia (EUA). Em 1997, se sagrou vice-campeão mundial e foi medalha de bronze nos X-Games, do canal norte-americano de TV paga ESPN.
No ano passado, não se saiu tão bem, terminando em nono lugar, mas foi medalha de ouro na estréia dos Gravity Games, o concorrente da rede de TV aberta NBC para os X-Games.
Mais representativo, porém, é que o bom desempenho não se resume a Burnquist.
A classificação atual da vertical tem quatro brasileiros entre os dez primeiros, mesmo número de representantes da superpotência EUA, onde o esporte se originou e que conquistou, por exemplo, os últimos três títulos mundiais das duas categorias.
Além de Burnquist, Sandro Dias é o quinto, Lincoln Ueda, o nono, e Cristiano Matheus, o décimo.
A última etapa, em Vancouver, no Canadá, teve o líder do ranking como o campeão, Dias em terceiro, Matheus em quinto e Ueda em sétimo.
""Estamos em alta", resumiu Burnquist. ""Todo mundo está preocupado com a gente." Para ele, no entanto, a explicação disso é uma coincidência: ""As fases de todos estão boas".
Na street (em áreas planas com obstáculos), em que os skatistas do país costumam ter mais dificuldades para participar das etapas, a liderança também é de um brasileiro, Carlos de Andrade.
Outro representante local, Rodil de Araújo Júnior, o Ferrugem, já foi duas vezes medalha de ouro nos X-Games e conquistou a prata na estréia dos Gravity Games, no ano passado.
Em relação a estrutura da modalidade no país, a Confederação Brasileira de Skate encaminhou no início de 2000, após ter completado um ano de existência, seu pedido de filiação ao COB.
Para a primeira etapa do Circuito Nacional deste ano, no último domingo, foi obtido o patrocínio de uma marca de fora do mercado do esporte, a bala Mentos.
Também foi contratada uma empresa de assessoria de imprensa para realizar a divulgação das informações sobre as sete provas da competição e definida uma parceria com o canal pago Sportv, para a veiculação de um especial sobre cada prova.
Dá para se ter a dimensão do que é obter, num esporte radical no Brasil, um patrocínio de fora da sua própria indústria a partir do exemplo do surfe.
Mesmo com a organização de seu circuito assumida pela Abril Eventos e com a veiculação de um quadro semanal sobre a competição na TV Bandeirantes, de sinal aberto, a edição deste ano começou sem um apoio de fora do mercado do surfe.
No geral, porém, a distância entre as duas modalidades ainda é grande no país. Um exemplo óbvio são os prêmios que os campeões das aberturas dos respectivos circuitos receberam.
Enquanto o surfista Fábio Gouveia embolsou R$ 10 mil por sua vitória no mês passado, o skatista Ferrugem faturou um quarto desse valor, R$ 2,5 mil, pelo mesmo feito, no domingo.
O prestígio internacional para a organização de eventos também dá outra amostra. O Brasil recebe ininterruptamente pelo menos uma etapa do Circuito Mundial de surfe desde 1986.
Já a prova nacional da competição similar no skate estreou no país em 1998, como etapa de demonstração. Apenas no ano passado, passou a valer pontos. Nesta temporada, volta a encerrar o circuito, em novembro.
""O surfe é uma escola para a gente", definiu Márcio Tanabi, da Skateboard Contest, empresa responsável pela organização do Circuito Brasileiro. ""Usamos como base itens que vão desde o formato das competições até a relação com as empresas."
Sobre o patrocínio da bala Mentos, Tanabi revelou que deve ser fechado um contrato para todas as etapas do circuito, o que seria algo inédito.
Para o atleta Burnquist, o mercado nacional da modalidade ainda tem muito a evoluir. ""Falta um melhor relacionamento com as marcas internacionais", afirmou.
Com isso, ele acredita que os skatistas de ponta são prejudicados, já que não existem filiais brasileiras das principais empresas para patrociná-los.
Se estivesse morando hoje no país e patrocinado por marcas locais, Burnquist acha que não conseguiria a mesma remuneração que obtém nos EUA. ""Estaria muito distante", avaliou.
Um último fato importante sobre sua representatividade é o interesse que o skate desperta no público local. Na abertura do Circuito Brasileiro de 2000, num ginásio de Curitiba, cerca de 3.000 pessoas acompanharam a fase final da prova, sem pagar ingressos.
O vôlei, uma modalidade que já deu uma medalha de ouro olímpica ao Brasil, levou, em média, 1.000 pessoas por partida aos ginásios na última Superliga Nacional, com uma política que mescla entrada gratuita e cobrança de um valor médio de R$ 2,50.


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