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São Paulo, terça-feira, 20 de maio de 2003

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Luiz Zveiter, figura mais influente da Justiça desportiva, pede desculpa por viradas de mesa

A única instância do futebol

Guilherme Pupo/Folha Imagem
Luiz Zveiter, presidente do STJD, no centro do gramado da Arena da Baixada, em Curitiba, onde participou do 1º encontro dos tribunais de Justiça desportiva



Presidente do STJD se diz desgostoso com o jogo e sacode o Brasileiro ao alterar resultado do campo no tapetão e ameaçar indisciplinados com multa pesada


FERNANDO MELLO
ENVIADO ESPECIAL A CURITIBA

O homem que tem o poder de decidir campeonatos, de impugnar regulamentos e de calar cartolas, técnicos e atletas se diz desiludido com o esporte que comanda.
Luiz Zveiter, 48, viúvo, não gosta de ir ao estádio. Orienta os quatro filhos a ficarem longe da violência dos campos brasileiros. Afirma ter saudade de um futebol com menos interesses comerciais.
Palco de alguns dos maiores escândalos do futebol nacional -como o caso Ivens Mendes, que escancarou a corrupção na arbitragem- e conivente com as viradas de mesa dos últimos campeonatos, o Superior Tribunal de Justiça Desportiva, órgão presidido por Zveiter, voltou à cena no início deste Brasileiro ao mudar no tapetão resultados do campo.
Com as instâncias estaduais esvaziadas pelo novo calendário e uma relação simbiótica com a toda-poderosa CBF (negada pelos dois lados), o STJD segue como um tipo de foro único do futebol.
A diferença para o passado, segundo Zveiter, é que o tribunal é outro. O juiz carioca se desculpa por viradas de mesa e diz que, na nova ordem do esporte, não há espaço para ações oportunistas.
Nesta entrevista, Zveiter promete não permitir mudança nas regras, mesmo que seu Botafogo não suba para a Série A. Refuta a fama de proteger times do Rio. E conta como deixou de ser um magistrado anônimo para agitar o esporte mais popular do país.
 

Folha - Como começou a ligação do senhor com o futebol?
Luiz Zveiter -
Era advogado e integrava o tribunal do vôlei. Em 96, o Ricardo Teixeira me chamou. Eu não o conhecia, e o Carlos Arthur Nuzman, que presidia a Confederação de Vôlei e era meu cliente, me indicou.

Folha - O sr. costuma ir a estádio?
Zveiter -
Não.

Folha - Deixa seus filhos irem?
Zveiter -
Também não. Eu sou da época em que o futebol era paixão. Chorei muito no Maracanã quando o Botafogo perdeu para o Flu, em 1971. O futebol perdeu o ar desportista. Começaram os interesses financeiros, e eu me desiludi. Tem a questão da violência, a torcida agride. Fui desabituando.

Folha - Quando foi ao campo pela última vez?
Zveiter -
Há uns dois anos, para ver Botafogo x Juventude.

Folha - O sr. é mais importante que muito craque em algumas decisões. Como vê isso?
Zveiter -
Os grandes artistas do futebol são os atletas. Eu, os tribunais, os dirigentes tínhamos que ficar no anonimato. Somos forçados a intervir. Não sei se fazem um regulamento ambíguo de propósito. Sempre colocam umas cascas de banana para alguém poder se beneficiar. Arrumam brechas na lei, como no Paulista-03.

Folha - A culpa dos holofotes sobre o sr. é dos dirigentes?
Zveiter -
Pode ser. Não são os jogadores que tumultuam. Não são eles que invadem campo. Para ressurgir, tivemos que ir ao fundo do poço. E o futebol já foi. Acho que a nova legislação deve bolar um regulamento, uma espinha dorsal para todos os campeonatos. Sempre que muda, gera descrédito. Por que os estádios estão vazios? O torcedor não acredita.

Folha - Os tribunais esportivos se reuniram pela primeira vez neste fim de semana. Em que podem contribuir para melhorar o futebol?
Zveiter -
Fizemos um projeto para mudar o CBDF [Código Brasileiro Disciplinar do Futebol]. Abriremos uma cruzada antiviolência, usando imagens de TV para punir. Não é normal que um atleta entre em campo só para fazer faltas. Faz 20 e fica impune. O código, de 1985, é arcaico, feito para atender a alguns setores.

Folha - Muitos apontam que o sr. tem uma ligação umbilical com a CBF. O que diz sobre isso?
Zveiter -
É uma agressão não só a mim, mas aos outros auditores. O doutor Ricardo não é meu amigo. Fui à casa dele uma vez. Tenho uma relação respeitosa com ele. Fui indicado pelo doutor Ricardo, mas não tenho vinculação a ele.

Folha - O tribunal teve participação decisiva em episódios que mancham o futebol brasileiro. No Brasileiro-97, Edmundo (Vasco) estava pendurado, tomou amarelo e foi expulso na primeira final, mas acabou liberado para pegar o Palmeiras... Não acha que a imagem do STJD é ruim?
Zveiter -
Tem de perguntar aos auditores do tribunal especial, o equivalente à atual Comissão Disciplinar. Não chegou ao STJD porque não houve tempo. Julgaram o caso horas antes da partida.

Folha - Outro exemplo são as constantes viradas de mesa. A Copa JH foi feita pelos clubes. Em 1999, Fluminense e Bahia não estavam na elite. Não seria natural que eles disputassem a segunda divisão em 2001, quando o Nacional voltou para a CBF?
Zveiter -
Se formos rever só os erros do passado e viver deles, não vamos progredir. Que tudo tenha servido de experiência. Os desmandos eram diferentes há cinco anos. Por que não fez naquela época? Daqui para a frente, a regra é essa. Se aconteceu, paciência, que sirva de lição. Podemos nos penitenciar de alguns equívocos, mas estamos procurando acertar. A prova é que Botafogo e Palmeiras estão na Série B. Se não subirem em campo, ficarão lá.

Folha - Muitos dirigentes têm medo de uma repetição neste Nacional do caso Gama, por causa do uso de uma regra já cassada pela CBF. Neste caso, o Inter perderia os dois pontos que ganhou no tapetão, com a punição à Ponte Preta. O sr. tem o mesmo temor?
Zveiter -
Não tem caso Gama nada. Não temos medo. Até a edição da Lei Pelé, a CBF tinha poder para modificar alguns artigos do CBDF por resolução de diretoria. Até aí a CBF podia tudo. A partir de 1998, as alterações tinham que ser feitas pelo Conselho Nacional do Esporte. Tudo o que existia antes, vale. O que vem depois, não. A CBF não pode revogar nada. Por isso o STJD decidiu não punir o clube que utiliza jogador irregular com a perda de cinco pontos.

Folha - Mas, se houver brecha, os times vão ao tapetão...
Zveiter -
Tem uns grupinhos de cartolas que não querem enxergar uma nova realidade no futebol brasileiro, com ética, princípio de moralidade, credibilidade. Esses podem ir à Justiça comum. Mas que fiquem advertidos. Se o fizerem, seus clubes serão prejudicados. O tribunal não comporta mais esse tipo de atitude.

Folha - Os clubes fogem da punição usando laranjas. O que garante que isso não voltará a ocorrer?
Zveiter -
Qualquer pessoa pode ir à Justiça. O clube se sente prejudicado, vai a um sindicato que o representa e ganha uma liminar. Se o clube a utiliza, passa a ser beneficiário, co-autor. A CBF tem a obrigação de punir com rigor. Se no passado ela não o fez, não quero julgar questões políticas. Hoje a CBF está consciente de que não pode mais se prestar ao papel de se curvar a quem quer que seja.

Folha - Por que o STJD nunca puniu quem usou laranja? O Gama, por exemplo, foi ao PFL-DF e se valeu da liminar para ficar na elite.
Zveiter -
Quem tem que responder é a CBF. É ela quem tem poder para oficiar a Fifa e pedir punição.

Folha - O que mudou de 1999 para cá no STJD que o faz ameaçar com tanta veemência quem for à Justiça comum?
Zveiter -
Eu não estava no tribunal na época. Nós temos instrumentos. Determinaremos à CBF que ela oficie a Fifa. Se ela não o fizer, afastaremos sua diretoria.

Folha - O sr. já foi acusado de bairrista e de proteger os times do Rio. O escritório da família Zveiter defendeu clubes cariocas, por exemplo o Vasco no caso Dener. Não acha isso antiético?
Zveiter -
Sou magistrado, o escritório segue atuando. E nunca atuei em processos do escritório. É questão de foro íntimo. Não vejo problema. É só ver quantas vezes o Vasco ganhou no tribunal. Minha vida é aberta.

Folha - Por que Armando Marques, chefe da Comissão de Arbitragem da CBF, não foi punido pela alteração da súmula de Caxias x Figueirense, pela Série B-2001?
Zveiter -
Não tenho base para dizer isso. Estava ausente do país por motivos particulares. O STJD julgou e entendeu que não havia elementos para provar que ele pediu a adulteração da súmula.

Folha - Seu filho Flávio Zveiter não concluiu a faculdade de direito e, aos 19 anos, já era auditor do STJD. Não acha isso antiético?
Zveiter -
Não. Ele continua lá e é um grande auditor. É só perguntar aos clubes de São Paulo. O filho do desembargador Paulo César Salomão também faz um grande trabalho. Eles têm notável saber jurídico na área esportiva. É o que basta para estar na lei. Só tive elogios. Dele e do Paulinho. Continuam e vão continuar. Tem uma coisa que tem que ser dita. Nenhum de nós recebe um tostão.

Folha - A que se deve o ato altruístico de trabalhar de graça?
Zveiter -
Eu gosto do esporte. Acho que todo brasileiro que ama o esporte gostaria de ter tido a possibilidade de contribuir para sua melhoria. Nossa satisfação não passa pela remuneração.

Folha - O que se faz do dinheiro das multas impostas pelo STJD?
Zveiter -
Vai tudo para a CBF. Toda a verba destinada a suprir os funcionários, o material, é pago pela entidade. Essas multas têm que ser revistas. Poderiam ser revertidas para o Fome Zero. Vamos aumentar as multas. Se mexer no bolso do atleta, ele vai pensar antes de usar a violência. Multa de R$ 30 é irrisória para quem ganha R$ 200 mil. Se colocar 50% do que ele ganha, o governo vai comprar muito leite.

Folha - O sr. teve o nome envolvido no caso do "vôo da alegria", em que foi convidado para ver a Copa-98 sem custos. Voltaria a viajar se fosse convidado?
Zveiter -
Fui porque era presidente do tribunal naquela época. Fui convidado pela Fifa, não pela CBF. Não recebi favor. Mas não aceitaria outro convite.

Folha - Pretende ingressar na política, como seu irmão, Sérgio, que é secretário de Justiça do Rio?
Zveiter -
Sou magistrado, não posso. E não tenho vocação.


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