São Paulo, quarta-feira, 20 de junho de 2001

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ANÁLISE

Aos trancos e barrancos, CPIs acertam

MELCHIADES FILHO
EDITOR DE ESPORTE

É um erro de avaliação política, ou pura distorção dos fatos, desdenhar da CPI da CBF/Nike, dizer que as investigações sobre o futebol terminaram em pizza.
É certo que os parlamentares demoraram para achar o foco das apurações. Desperdiçaram energia, sobretudo, ao tentar reconstituir a tarde da síncope de Ronaldinho na Copa-98. Alimentaram a expectativa de que as inquirições levariam muitos cartolas à cadeia, quando isso não é (nem deve ser) tarefa do Congresso.
Pode-se lamentar a atitude circense e o despreparo de alguns congressistas, obcecados apenas em aparecer na televisão.
Pode-se estranhar a decisão de poupar o "mito" Pelé, apesar dos indícios de irregularidades nos negócios do ex-jogador.
Pode-se também condenar a atitude casuística do presidente de encerrar a comissão sem submeter um relatório final à votação dos colegas. Decerto havia outras formas simbólicas -e democráticas- de impedir o assassínio dos trabalhos pelos representantes do establishment do futebol, a tal "bancada da bola".
Mas são muitas as contribuições das CPIs (há outra no Senado). Graças a elas, houve clima para que o esporte tirasse a limpo suspeitas eternas dos "boleiros".
O torcedor enfim pôde constatar que o deputado Eurico Miranda movimentou dinheiro do Vasco -aparentemente também para fins eleitorais próprios.
Que o presidente da Federação Paulista, Eduardo José Farah, possui em banco no exterior aplicação não-declarada à Receita.
Que clubes importantes, como o Flamengo, utilizaram paraísos fiscais no Caribe para driblar o Fisco na transação de jogadores.
Que a sonegação faz parte da vida de protagonistas do esporte, como o ex-supertécnico Wanderley Luxemburgo. Que, para fugir da Previdência, atletas e treinadores assinam contratos de gaveta.
Que a indústria dos "gatos" e da falsificação de passaportes é mais disseminada, e mais oficializada, do que se imaginava.
Que a CBF pagou juros recordes, acima dos de mercado, em empréstimos bancários internacionais, uma sangria de divisas ainda mal-explicada.
Que a campanha de muitos políticos, inclusive do PT, foi financiada pelo dinheiro da bola.
Que a Nike tinha, sim, ingerência na seleção e que seu contrato com a CBF continha, sim, cláusulas lesivas ao futebol nacional.
Diante da pressão da CPI, Ricardo Teixeira foi obrigado a concordar que havia problemas no patrocínio da Nike -e teve de renegociá-lo. Admitiu em público a falta de transparência política da CBF -e teve de se comprometer a revisar o estatuto da entidade. Reconheceu pela primeira vez a agonia de sua gestão -e, após 12 anos e quatro mandatos, prometeu pendurar a cartola.
Ainda que ninguém acabe atrás das grades, são revelações importantes, são recuos históricos. Para quem realmente se importa com o futebol, uma refeição completa.


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