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ANÁLISE
Aos trancos e barrancos, CPIs acertam
MELCHIADES FILHO
EDITOR DE ESPORTE
É um erro de avaliação política,
ou pura distorção dos fatos, desdenhar da CPI da CBF/Nike, dizer
que as investigações sobre o futebol terminaram em pizza.
É certo que os parlamentares
demoraram para achar o foco das
apurações. Desperdiçaram energia, sobretudo, ao tentar reconstituir a tarde da síncope de Ronaldinho na Copa-98. Alimentaram
a expectativa de que as inquirições levariam muitos cartolas à
cadeia, quando isso não é (nem
deve ser) tarefa do Congresso.
Pode-se lamentar a atitude circense e o despreparo de alguns
congressistas, obcecados apenas
em aparecer na televisão.
Pode-se estranhar a decisão de
poupar o "mito" Pelé, apesar dos
indícios de irregularidades nos
negócios do ex-jogador.
Pode-se também condenar a
atitude casuística do presidente
de encerrar a comissão sem submeter um relatório final à votação
dos colegas. Decerto havia outras
formas simbólicas -e democráticas- de impedir o assassínio
dos trabalhos pelos representantes do establishment do futebol, a
tal "bancada da bola".
Mas são muitas as contribuições
das CPIs (há outra no Senado).
Graças a elas, houve clima para
que o esporte tirasse a limpo suspeitas eternas dos "boleiros".
O torcedor enfim pôde constatar que o deputado Eurico Miranda movimentou dinheiro do Vasco -aparentemente também para fins eleitorais próprios.
Que o presidente da Federação
Paulista, Eduardo José Farah,
possui em banco no exterior aplicação não-declarada à Receita.
Que clubes importantes, como
o Flamengo, utilizaram paraísos
fiscais no Caribe para driblar o
Fisco na transação de jogadores.
Que a sonegação faz parte da vida de protagonistas do esporte,
como o ex-supertécnico Wanderley Luxemburgo. Que, para fugir
da Previdência, atletas e treinadores assinam contratos de gaveta.
Que a indústria dos "gatos" e da
falsificação de passaportes é mais
disseminada, e mais oficializada,
do que se imaginava.
Que a CBF pagou juros recordes, acima dos de mercado, em
empréstimos bancários internacionais, uma sangria de divisas
ainda mal-explicada.
Que a campanha de muitos políticos, inclusive do PT, foi financiada pelo dinheiro da bola.
Que a Nike tinha, sim, ingerência na seleção e que seu contrato
com a CBF continha, sim, cláusulas lesivas ao futebol nacional.
Diante da pressão da CPI, Ricardo Teixeira foi obrigado a concordar que havia problemas no patrocínio da Nike -e teve de renegociá-lo. Admitiu em público a
falta de transparência política da
CBF -e teve de se comprometer
a revisar o estatuto da entidade.
Reconheceu pela primeira vez a
agonia de sua gestão -e, após 12
anos e quatro mandatos, prometeu pendurar a cartola.
Ainda que ninguém acabe atrás
das grades, são revelações importantes, são recuos históricos. Para
quem realmente se importa com
o futebol, uma refeição completa.
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