São Paulo, domingo, 20 de junho de 2004

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ATENAS 2004

Antoine Jaoude, que começou a lutar durante conflito no Líbano, quebra jejum de 12 anos do país em Jogos

Guerra coloca brasileiro na luta olímpica

MARIANA LAJOLO
TATIANA CUNHA
DA REPORTAGEM LOCAL

A viagem de Tânia e Antoine estava programada para ser breve. Com o pequeno Antoine de apenas seis meses em seus braços, a idéia dela era visitar o sogro doente no Líbano e voltar para o Rio em dois meses. No máximo.
Não foi o que aconteceu. O ano era 1977, e o país estava sob cessar-fogo. Algum tempo depois de instalado em Beirute, o casal foi obrigado a adiar a viagem de volta ao Brasil. A guerra civil, que teve início em 1975, recomeçava.
Aeroportos foram fechados, e a viagem que duraria dois meses se prolongou por quase 13 anos.
Graças a essa mudança repentina na vida dos Jaoude, o Brasil vai encerrar em Atenas um jejum de 12 anos em Jogos Olímpicos. Antoine Jaoude, hoje com 27 anos, será o único representante do país na luta livre, esporte que ele conheceu graças ao exílio forçado.
Seu primeiro contato com a luta, no entanto, foi tímido. "Comecei vendo pela TV. Lá, o esporte é muito divulgado, aparece bastante", diz. "Achei legal e comecei a brincar com os meus amigos."
Nada de sério até os Jaoude desembarcarem de volta no Brasil, com algumas diferenças. Além de mais três irmãos, o filho mais velho de Tânia e Antoine trouxe do Líbano a paixão pelas lutas.
Uma de suas primeiras providências no Rio foi se matricular em uma academia, onde praticava boxe-tailandês. "Foi lá que eu conheci o Beto [Leitão, seu treinador até hoje] e comecei a treinar de verdade", afirma.
A parceria se transformou em amizade, e hoje o lutador diz que seu sucesso se deve, em grande parte, ao treinador. "Ele sempre foi importante para mim, me influenciou muito. O Beto sempre confiou em mim e me ensinou a ter responsabilidade", diz Jaoude.
A virada em sua carreira só aconteceu em 1995, após a grande decepção que sofreu nos Jogos Pan-Americanos de Mar del Plata, na Argentina. "Era inexperiente, tinha 18 anos e quando vi, só precisava ganhar uma luta para ir para a Olimpíada de Atlanta, no ano seguinte", explica.
"Perdi para um cara de 30 anos e esse resultado me fez começar a levar a luta mais a sério."
As desilusões, aliás, marcaram boa parte da trajetória do lutador. Em 1999, novamente em um Pan, desta vez em Winnipeg, no Canadá, novo fracasso. "Perdi minha última luta só por um ponto e por isso não fui para a Olimpíada de Sydney", lamenta ele, que chegou a ficar 10 anos invicto no Brasil.
O começo da reviravolta não poderia acontecer em outra competição. Veio em Santo Domingo, no ano passado. Jaoude ganhou a terceira medalha da luta para o Brasil em Pans, a terceira de prata.
O resultado o igualou a seu treinador. Roberto Leitão conquistara a prata em Indianápolis, em 1987 -antes dele, só Antenor da Silva, em Buenos Aires-1951.
A classificação para os Jogos de Atenas foi sofrida. No Mundial dos EUA, em 2003, Jaoude perdeu a chance de assegurar a vaga na categoria até 96 kg ao ser eliminado ainda nas oitavas-de-final. Nos Pré-Olímpicos deste ano, mais resultados negativos: foi sexto na Eslováquia e 16º na Bulgária.
Jaoude teve então que esperar a classificação por índice técnico da federação internacional.
"O suspense durou até que eles concluíssem o ranqueamento, já que dependiam do resultado dos europeus. Fiquei eufórico", diz. Na Grécia, acredita que seus maiores rivais serão atletas de Belarus, Irã, Geórgia, EUA, Bulgária.
Sem patrocínio, Jaoude, que já fez bicos como intérprete e guia turístico por conhecer cinco idiomas -além do português, fala inglês, francês, árabe e espanhol, herança de sua infância- e ainda luta vale-tudo, diz que não tem grandes expectativas. "Vai ser difícil, mas eu vou para buscar medalha. Não quero fazer feio."


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