São Paulo, terça-feira, 20 de julho de 2004

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BASQUETE

Os Germans

MELCHIADES FILHO
EDITOR DE ESPORTE

O torneio era de exibição, não fazia parte da programação oficial. Mas a diretoria da Associação Cristã de Moços de Chicago percebeu o caráter notável do evento e não poupou investimentos. Para fazer jus ao recém-conquistado título nacional, encomendou até um tênis especial, com cravos no solado. É que, atipicamente, as partidas seriam ao ar livre, em quadras de saibro.
Por dois meses (um luxo à época), os jogadores treinaram com o novo calçado, adaptando-se ao peso e à aderência extras.
Veio o campeonato, e, nas quatro primeiras rodadas, o engenho funcionou. As equipes de Nova York, São Francisco e Saint Louis (duas) escorregaram da terra para o vestiário, humilhadas pelo adversário mais bem equipado.
Mas, no quinto jogo, justamente o que valia a taça, deu chabu.
Uma tempestade cobriu a cidade e transformou a quadra em lodaçal. A organização não teve alternativa senão transferir a decisão para uma arena indoor.
Aqui, os relatos se confundem. Uns dizem que os atletas de Chicago atuaram descalços no piso de madeira do ginásio da Washington University. Outros, que pediram tênis emprestados aos mais condoídos espectadores.
Certeza há somente do placar: 39 a 28 para o Buffalo Germans, que chegou ao Missouri como azarão, mas que, abençoado pela chuva, partiu, há exatos cem anos, como vencedor do primeiro torneio olímpico de basquete.
O triunfo surpreendente na Olimpíada de St. Louis-1904 é o cartão de apresentação do primeiro "Dream Team" americano.
Os Germans haviam surgido nove anos antes, na zona leste da gelada cidade industrial no interior do Estado de Nova York.
Fartos do desdém dos nativos, filhos de imigrantes transformaram a sede da Associação Cristã de Moços de seu bairro em uma espécie de centro cultural alemão.
O basquete foi adotado pelos meninos graças à influência do diretor do clube. Ex-aluno de James Naismith (o inventor do esporte), Fred Burkhardt assumiu o treino de um grupo de até 14 anos.
Aos poucos, os sete adolescentes tomaram de assalto o circuito amador da região, formado por universidades, ACMs, quartéis militares e clubes de campo.
Obedecendo a um curioso rodízio -sempre um garoto ficava de fora da partida, para não prejudicar seus estudos-, eles colecionaram êxitos até receber o convite para os Jogos de St. Louis.
Naquele mesmo 1904, uma vez autodeclarados "campeões mundiais", resolveram se profissionalizar e tentar a América. Ao longo de 29 anos, acumularam 761 vitórias, contra apenas 85 derrotas. Chegaram a construir, de 1908 a 1911, uma invencibilidade de 111 partidas, registrando em média 54 pontos ante 18 dos oponentes.
Os "Alemães" mereceram o reconhecimento do Hall da Fama do basquete -são um dos quatro times eleitos para o memorial. Mas jamais conseguiram demolir a barreira da xenofobia. Buffalo preferia babar pela equipe municipal de ciclismo, os Ramblers. E nas outras ACMs da cidade a recreação predileta era o vôlei. Sempre o vôlei!

St. Louis 1904 1
O German calçava o modelo básico da Spalding (US$ 1 o par, à época) com meiões e vestia camiseta de manga comprida e gola rulê.

St. Louis 1904 2
A primeira Olimpíada fora da Europa havia sido originalmente agendada para Chicago. Mas o lobby da agroindústria algodoeira atraiu a bênção do presidente Roosevelt para a efervescente cidade à margem do rio Mississippi, à época a quarta mais populosa dos EUA.

St. Louis 1904 3
Os Jogos lançaram as medalhas de ouro, prata e bronze. Os EUA conquistaram 77 das 95 provas. Sua grande estrela, o ginasta George Eyser, seis vezes medalhista, tinha a perna esquerda de madeira.

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