São Paulo, domingo, 20 de julho de 2008

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Sudão corre para apagar marcas do genocídio

Equipe de atletismo reúne membros de diferentes tribos que querem aproveitar os Jogos de Pequim para mostrar um outro lado do país, marcado pelo conflito em Darfur

Corredores se irritam ao falar sobre campanhas internacionais pelo boicote aos Jogos da China, parceira econômica dos sudaneses


MARIANA LAJOLO
DA REPORTAGEM LOCAL

Ismail Ahmed Ismail, 24, é um fur. Abubaker Kaki Khamis, 19, é da tribo árabe misseriya, uma precursora da milícia janjaweed. Em Darfur, seus povos estão envolvidos há anos em confrontos sangrentos.
A lembrança do caos que reina no país que ambos chamam de lar os persegue a cada passada. Mas as diferenças tribais não cabem na pista.
Ismail e Khamis dividem o mesmo quarto no acanhado alojamento da equipe de atletismo do Sudão, defenderão a mesma bandeira na Olimpíada de Pequim e perseguem o mesmo sonho, mais importante até do que o ouro olímpico.
"Nossa participação irá ajudar as pessoas a olharem para nosso país por um novo ângulo. Hoje, só pensam coisas negativas sobre o Sudão. Convivemos em harmonia na equipe, não importa de que tribo somos, somos atletas de um país", disse Khamis à Folha, por e-mail.
Nos últimos meses, os sudaneses passaram a conviver com um novo fantasma. O apoio da China ao governo do Sudão, de quem compra petróleo, mobilizou ativistas do mundo todo em uma campanha pelo boicote aos Jogos Olímpicos.
Desde 2003 os combates na região de Darfur deixaram centenas de milhares de mortos e milhões de desabrigados. A milícia islâmica janjaweed é acusada de cometer atrocidades contra a população civil no conflito que opõe a população árabe muçulmana aos muçulmanos não árabes da região.
Para os fur e janjaweeds membros da equipe olímpica do país africano, no entanto, a ausência nos Jogos de Pequim irá prejudicar só a ponta mais fraca dessa disputa política.
"Eles treinam duas vezes ao dia em instalações precárias e não se queixam, esforçam-se mais, convivem em harmonia", diz o técnico Jama Aden.
"O boicote é a pior coisa que poderia acontecer aos atletas do Sudão. Eles perderiam uma chance que nunca voltariam a ter. As pessoas que pregam o boicote não pensam que [a participação na Olimpíada] pode trazer benefícios a Darfur, ao Sudão. Os atletas ficam muito desapontados com essas campanhas e nem gostam de falar sobre isso", completa ele.
Os sudaneses devem disputar as provas de atletismo na China com 12 atletas, metade deles nascidos em Darfur, região a oeste do país africano.
O recente sucesso dos corredores do Sudão se deve em grande parte ao esforço solitário de Aden. Em 1987, ele se consagrou como técnico ao ajudar Abdi Bile, da Somália, na conquista de um título mundial. Há seis anos trabalha com o time do Sudão e tenta contornar suas dificuldades.
O alojamento é precário, o estádio parece que nunca ficará pronto, e os atletas treinam em meio a poeira e entulho. As condições, porém, são muito melhores das que encontrariam em suas vilas. No centro de treinamento podem fazer três refeições por dia.
O treinador também criou um programa de detecção de talentos e se enveredou pelo deserto para recrutar jovens corredores. Os resultados nas pistas já começam a aparecer.
Em março, Khamis se tornou campeão mundial indoor ao vencer os 800 m. Antes da competição na Espanha, o corredor nunca havia visto uma pista coberta. Em junho, cravou o recorde mundial júnior da distância -1min42s69.
Khamis virou celebridade no Sudão, ganhou afagos do governo. Disse, porém, que sua principal motivação para correr é ajudar a família pobre e representar bem sua equipe.
Alguns dos atletas treinados por Aden já conseguiram patrocínio da Nike. O técnico também obteve doações da embaixada britânica em Cartum, capital do país, e ajuda de países europeus que recebem o time para treinos. A equipe se veste graças ao patrocínio de uma fabricante chinesa.
"A participação nos Jogos pode gerar grandes mudanças na realidade deles e na imagem do Sudão. É a chance de o mundo ver um lado bom do país."


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