São Paulo, sexta-feira, 20 de agosto de 2004

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POLIFONIA

Azar nos Jogos e sorte na vida do recordista

FÁBIO SEIXAS
ENVIADO ESPECIAL A ATENAS

Faz tempo que Hicham El Guerrouj é o melhor do mundo. Está rico, casou no ano passado e sua filha, Hiba, nasceu em junho. Mas ele diz não ser um homem feliz. "Não, ainda não", ressalta. Marroquino, corre os 1.500 m. De 96 para cá, só perdeu três vezes a prova. Mas, para sua desgraça pessoal, dois desses fracassos foram em finais olímpicas.
Em Atlanta, El Guerrouj tropeçou a 400 m do fim e caiu. Levantou, continuou, cruzou a linha de chegada em 12º e desabou num choro descontrolado, nervoso. Quatro anos depois, Sydney. Vacilou na reta final, foi superado por um nigeriano, terminou em segundo. Não agüentou. Sentou na pista. E novamente chorou.
Hoje, El Guerrouj pisará em seu terceiro Estádio Olímpico. O último em que correrá os 1.500 m. Aos 29 anos, prepara-se para mudar de prova. Acha que está ficando velho e que terá maiores chances, daqui em diante, correndo os 5.000 m e, talvez, os 10.000 m.
"Não quero falar sobre o passado. Não gosto, nunca gostei. Estou muito feliz de estar em minha terceira Olimpíada. Treinei muito para vencer, e esse é meu único objetivo", disse o corredor, em uma entrevista coletiva, pertinho do estádio em que conhecerá a redenção. Ou o ocaso.
Recordista da prova, ele tem 7 dos 8 melhores tempos da história. É tetracampeão mundial. Mas falta-lhe o ouro.
El Guerrouj, que só começou a correr porque sua mãe achava que, como goleiro, ele sujava muita roupa, é um baita personagem. Um dos maiores dos Jogos. E uma boa parte deles estará reunida a partir de hoje, com o início das provas de atletismo, no coração da Olimpíada. O estádio.
Lá, Marion Jones, a estrela de Sydney, tentará superar as suspeitas de doping e somar mais dois ouros à sua coleção. Lá, sob os arcos de Santiago Calatrava, o Kiribati, um arquipélago com metade da área da cidade de São Paulo, entrará na história olímpica com a velocista Kaitinano Mwemweata correndo, hoje, os 100 m. Lá, após seis quebras de recorde mundial no ano, Stacy Dragila, Svetlana Feofanova e Yelena Isinbayeva travarão uma luta ferrenha pelo ouro no salto com vara.
Olimpíadas são feitas de grandes estádios, de heróis, vilões, sucessos, fracassos. De surpresas. Mas, às vezes, são feitas também de cenas previsíveis. A terceira tentativa de El Guerrouj, que começa hoje, nas eliminatórias, vai terminar em choro. O marroquino, muçulmano, só espera que as lágrimas sejam "hiba". O nome de sua única filha. Em árabe, "presente de Deus".


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