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POLIFONIA
Azar nos Jogos e sorte na vida do recordista
FÁBIO SEIXAS
ENVIADO ESPECIAL A ATENAS
Faz tempo que Hicham El
Guerrouj é o melhor do
mundo. Está rico, casou no
ano passado e sua filha, Hiba,
nasceu em junho. Mas ele diz
não ser um homem feliz. "Não,
ainda não", ressalta. Marroquino, corre os 1.500 m. De 96
para cá, só perdeu três vezes a
prova. Mas, para sua desgraça
pessoal, dois desses fracassos
foram em finais olímpicas.
Em Atlanta, El Guerrouj tropeçou a 400 m do fim e caiu.
Levantou, continuou, cruzou
a linha de chegada em 12º e
desabou num choro descontrolado, nervoso. Quatro anos
depois, Sydney. Vacilou na reta final, foi superado por um
nigeriano, terminou em segundo. Não agüentou. Sentou
na pista. E novamente chorou.
Hoje, El Guerrouj pisará em
seu terceiro Estádio Olímpico.
O último em que correrá os
1.500 m. Aos 29 anos, prepara-se para mudar de prova. Acha
que está ficando velho e que terá maiores chances, daqui em
diante, correndo os 5.000 m e,
talvez, os 10.000 m.
"Não quero falar sobre o
passado. Não gosto, nunca
gostei. Estou muito feliz de estar em minha terceira Olimpíada. Treinei muito para
vencer, e esse é meu único objetivo", disse o corredor, em
uma entrevista coletiva, pertinho do estádio em que conhecerá a redenção. Ou o ocaso.
Recordista da prova, ele tem
7 dos 8 melhores tempos da
história. É tetracampeão mundial. Mas falta-lhe o ouro.
El Guerrouj, que só começou
a correr porque sua mãe achava que, como goleiro, ele sujava muita roupa, é um baita
personagem. Um dos maiores
dos Jogos. E uma boa parte deles estará reunida a partir de
hoje, com o início das provas
de atletismo, no coração da
Olimpíada. O estádio.
Lá, Marion Jones, a estrela
de Sydney, tentará superar as
suspeitas de doping e somar
mais dois ouros à sua coleção.
Lá, sob os arcos de Santiago
Calatrava, o Kiribati, um arquipélago com metade da área
da cidade de São Paulo, entrará na história olímpica com a
velocista Kaitinano Mwemweata correndo, hoje, os 100
m. Lá, após seis quebras de recorde mundial no ano, Stacy
Dragila, Svetlana Feofanova e
Yelena Isinbayeva travarão
uma luta ferrenha pelo ouro
no salto com vara.
Olimpíadas são feitas de
grandes estádios, de heróis, vilões, sucessos, fracassos. De
surpresas. Mas, às vezes, são
feitas também de cenas previsíveis. A terceira tentativa de
El Guerrouj, que começa hoje,
nas eliminatórias, vai terminar em choro. O marroquino,
muçulmano, só espera que as
lágrimas sejam "hiba". O nome de sua única filha. Em árabe, "presente de Deus".
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