São Paulo, quarta-feira, 20 de agosto de 2008

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Natação abriga ex-preso político

LUCAS FERRAZ
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

MARIANA LAJOLO
ENVIADA ESPECIAL A PEQUIM

A jornada dos nadadores brasileiros em Pequim contou com o trabalho de um ex-preso político do regime militar. Rômulo Noronha, 62, foi o chefe da delegação de natação na China.
Noronha foi militante da ALN (Ação Libertadora Nacional) do dissidente Carlos Marighella, engajou-se na luta armada, foi preso, torturado e agora espera reparação do governo pelo que sofreu em um dos períodos mais sombrios do Brasil.
Segundo documentos do extinto SNI (Serviço Nacional de Informação) a que a Folha teve acesso, Noronha integrou o Grupo de Fogo, ala violenta da ALN, que defendia a guerrilha urbana.
Aos 24 anos, Noronha, filho de militar, era professor de natação das categorias de base do Flamengo e havia sido pára-quedista do Exército. Tinha a missão de ensinar membros da ALN a atirar.
Em 1970, envolvido em ação do grupo, foi preso. Saiu do presídio de Ilha Grande apenas quase nove anos depois. Sua mulher estava grávida. Ele conheceu Tânia, a primeira filha, somente quando ela tinha oito anos.
Além de ter sido afastado da família, Noronha alega ter sofrido torturas físicas e psicológicas, com choques elétricos. "Eu me orgulho de não ter entregado ninguém."
Ele pleiteia indenização correspondente ao cargo de gerente de esportes do Flamengo, onde trabalhava -atualizado em R$ 7.979,85.
Sua mulher foi também torturada e presa depois de a filha nascer. "Foi uma tristeza ter ficado longe da minha filha. Os militares disseram que minha mulher só sobreviveu por causa do bebê", afirma, emocionado.
Noronha também pleiteia reparação retroativa baseada na eventual indenização mensal, por um período de oito anos e 11 meses (tempo que passou preso), o que lhe renderia mais de R$ 850 mil.
O pedido foi protocolado na Comissão de Anistia, do Ministério da Justiça, em julho de 2005. Ainda não há um prazo para ser julgado.
De acordo com registros do SNI, Noronha, ou "Augusto", codinome que usava na época, foi acusado de participar de ações armadas, como assaltos a bancos no Rio e tentativa de roubar armas na Fábrica do Andaraí.
O reencontro com a família ocorreu somente em fevereiro de 1979, quando ele deixou a prisão no dia 6.
De volta ao esporte, tornou-se presidente da associação de treinadores de natação e liderou movimento para estabelecer critérios técnicos na escolha de atletas para competições.
Deixou Pequim com o ouro e o bronze de César Cielo. "Nesta Olimpíada, vimos resultados de mudanças que ajudamos a fazer na natação", afirma Noronha.


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