São Paulo, segunda-feira, 20 de novembro de 2006

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ZETTI

O último título


Sacada tática de Telê Santana garantiu o troféu, que após explosão de euforia passou uma semana desaparecido


NÃO GOSTO muito de fazer comparações entre equipes de épocas diferentes, mas o São Paulo, que ontem ganhou o tetracampeonato, estava sob uma situação de pressão grande, até maior que a do time que eu integrei, campeão brasileiro de 1991.
Há 15 anos, a pressão antes da decisão era enorme. O time havia sido vice do Nacional nos dois anos anteriores. Mas foi algo que só sentimos na última semana do torneio, que não era disputado no formato atual.
Neste ano, e ainda mais depois de o time ter sido três vezes vice, o São Paulo ficou sujeito a outro tipo de pressão. A rigor, com o regulamento de pontos corridos, são oito meses de pressão e não uma semana, como nós vivemos em 1991.
Naquela decisão contra o Bragantino, sabíamos que o adversário tinha vantagem e ainda faríamos o último jogo na casa deles. Era uma equipe muito bem armada, que dificilmente perdia em Bragança.
Então fizemos um pacto no elenco. Era fundamental reverter a vantagem na primeira partida e jogar pelo empate no interior. Lembro que o Telê Santana insistiu muito nesse ponto com todos os jogadores.
No primeiro jogo, tivemos muito trabalho, mas conseguimos ganhar de 1 a 0. O problema foi que o Elivélton sofreu uma fratura no pé. Ficaríamos sem nosso ponta-esquerda titular no segundo jogo -sim, naquela época ainda usávamos a tática com dois pontas, diferentemente do sistema 3-5-2 que predomina hoje (o único jogador de 91 que já insinuava características do futebol atual era Cafu, que tinha gás para exercer bem tanto as funções ofensivas quanto defensivas).
E a grande sacada para o título foi justamente aproveitar o diferencial do Cafu. Antes do segundo jogo Telê já havia tomado sua decisão, mas fez questão de consultar os mais experientes do grupo, como eu, Raí e Ronaldão. Deslocaria o Cafu da lateral-direita para a ponta-esquerda.
O objetivo era anular a principal jogada do Bragantino, pelo lado direito, com o Gil Baiano. Era dos pés dele que surgiam os maiores lances de perigo. Então, em vez de lançar um especialista na ponta-esquerda -sem as características de tanta marcação- na vaga de Elivélton, entrou o Cafu, para marcar.
Deu certo. Saímos de Bragança sem levar gols e com a taça. Taça esta que passou uma semana desaparecida depois da conquista.
Quando voltamos de Bragança para a capital como campeões, foi uma confusão no ônibus, que passou pelo CT e foi ao Morumbi, onde havia uns 10 mil torcedores para celebrar.
Eu não estava no ônibus, porque fiquei no exame antidoping, e voltei para São Paulo na perua do clube com o médico. Mas o ônibus que trouxe os jogadores passou por uma explosão de euforia. Torcedores invadiram para comemorar com o elenco. Na confusão, sumiu muita coisa, camisas, material esportivo...
O clube deu uma semana de folga para todos. Cada um foi para sua cidade. Mas, no dia seguinte, ninguém, nem no CT nem no Morumbi, sabia do troféu. Após dois vices, enfim havíamos conseguido a taça, que ninguém sabia onde estava. Os dirigentes acionaram a polícia. Então, uma semana depois, quando nos reapresentamos, a taça subitamente reapareceu, com o Antônio Carlos.
Quando o ônibus passara pelo CT, o troféu foi retirado dele e deixado no estacionamento. O Antônio Carlos viu a taça lá depois de voltar da festa no Morumbi, ficou preocupado com a possibilidade de alguém levá-la embora, e a colocou no seu carro sem avisar a ninguém. Depois viajou para o Mato Grosso, onde passou a semana toda de folga, sem ver as notícias do sumiço do troféu.
Em campo, na zaga, ele havia salvado o time algumas vezes. Assim como "salvou" o troféu.


ARMELINO DONIZETTI QUAGLIATO , o Zetti, 41, foi o goleiro que obteve mais títulos internacionais pelo São Paulo como titular. Hoje, é comentarista de futebol


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