São Paulo, quinta, 21 de janeiro de 1999

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FUTEBOL
Após a mais longa espera da história do campeonato, Barbarense chega pela primeira vez à elite estadual
Paulista concretiza sonho de 84 anos

Evelson de Freitas/Folha Imagem
Tereza Gomes de Morais, funcionária do União Barbarense, lava camisas do time


FÁBIO VICTOR
PAULO COBOS
Santa Bárbara d'Oeste

Uma cidade de 180 mil habitantes no interior de São Paulo está a 72 horas de ver realizado um sonho de 84 anos.
Quando o União Agrícola Barbarense entrar em campo para enfrentar o rival vizinho Rio Branco, de Americana, no domingo, na casa do adversário, os moradores de Santa Bárbara d'Oeste (150 km a noroeste de São Paulo) assistirão pela primeira vez na vida a seu time disputar um jogo da primeira divisão do Campeonato Paulista.
Há outros clubes no interior paulista mais antigos do que o de Santa Bárbara, fundado em 22 de novembro de 1914, mas estes ou já participaram da elite do estadual -caso da Ponte Preta de Campinas, de 1900- ou continuam aguardando a sua vez -como o União de Mogi das Cruzes, de 1913.
Ou, resumindo: o União Barbarense é, ao longo da história, a equipe paulista que mais tempo esperou para chegar à divisão de elite daquele que é hoje o torneio estadual mais importante do país.
O União São João de Araras, por exemplo, outro rival da região, fundado apenas em 1981, demorou só sete anos para chegar à primeira divisão de São Paulo.
Se considerados apenas os anos de profissionalismo da equipe, que deixou de ser amadora em 1964, o União Barbarense amargou 34 anos de espera.
Campeão da Série A-2 (correspondente à segunda divisão) do Paulista no ano passado, depois de ter ascendido da Série A-3 em 97, o time, até a campanha vitoriosa de 98, já chegara quatro outras vezes ao quadrangular final do torneio -em 80, 84, 86 e 93.
"Sempre chegávamos lá, mas cada ano tinha uma coisa que atrapalhava. Por isso, a cidade está em festa, pois tem a concretização de um sonho perseguido há muito tempo", declara o ex-zagueiro barbarense Ademir Gonçalves, 52, campeão paulista pelo Corinthians em 1977.
Hoje dono de uma revenda de automóveis na cidade e comentarista esportivo de uma rádio local, ele iniciou e encerrou a carreira no União Barbarense.
Viveu, em 1984, seu último ano de profissionalismo, em uma das tentativas frustradas de ascensão -quando o time foi eliminado pelo Noroeste de Bauru.
Os torcedores ainda se ressentem dos traumas decorrentes de tanto esforço desperdiçado.
"A sensação de frustração aumentava quando sabíamos que nossos adversários na região, sobre os quais tínhamos vantagem técnica, como Bragantino e Rio Branco, já estavam lá e nós não. Quando aconteceu (a classificação), todo mundo custou a acreditar. Só com o passar dos dias é que fomos nos acostumando com a idéia", diz o projetista mecânico Gilberto Nazatto, torcedor assíduo do União, que ontem de manhã acompanhava as reformas de adaptação no estádio Antônio Guimarães -uma exigência da Federação Paulista de Futebol para os participantes da Série A-1 (leia texto ao lado).
O jornalista e escritor J.J. Bellani, autor do livro "A história do futebol barbarense", conta que a revolta dos barbarenses pelas tentativas frustradas do time chegou a um ponto que se propagou na cidade a idéia falsa de que, por motivos econômicos, o União não queria subir.
Bellani reclama das "inúmeras injustiças" que a equipe sofreu por parte da Federação Paulista de Futebol ao longo dos anos -como em 77, quando, pelo fato de a cidade ter menos de 100 mil habitantes, o União foi excluído da divisão intermediária (correspondente à segunda divisão) pela entidade.
Além das reclamações contra a federação e da alegada falta de sorte, os torcedores reclamam da forma como o time é chamado no meio esportivo -Barbarense.
É que, por causa do sucesso do vizinho homônimo, o São João de Araras, a FPF e a imprensa esqueceram o "União" do Barbarense, o que os torcedores consideram uma "heresia", já que existe um outro clube social chamado apenas Barbarense na cidade.
O fim de tanto sofrimento só poderia terminar em festa, uma comemoração imensa que tomou conta da cidade.
"Jamais a cidade tinha visto uma manifestação popular tão grande", afirma o prefeito José Adílson Basso (PRP), lembrando do dia da comemoração do título -quando o União Barbarense derrotou o Noroeste por 2 a 0, em Bauru.
"Foi a viagem mais feliz de minha vida", diz, sobre o trajeto Bauru-Santa Bárbara, o ex-jogador do União Barbarense José Adhemar Petrini, o "Peixinho".
De volta a Santa Bárbara, o time foi recepcionado por 25 mil pessoas, que fecharam a avenida Monte Castelo, a principal da cidade, e os campeões desfilaram em carro aberto -uma viatura do corpo de bombeiros.
"Sumiram até os sentidos, eu nem sabia o que fazer", lembra o aposentado José Leite de Godoy, 79, espécie de "torcedor-símbolo" do União Barbarense e que acompanhou o time ao longo dos últimos 63 anos.
Ele se orgulha da forma como diz que o time obteve o acesso. "Vocês (jornalistas) sabem que a nossa campanha em 98 foi cristalina", diz Godoy.
² Lavanderia
Visíveis nas reformas do estádio, os reflexos da ascensão do União Barbarense também chegam até a lavanderia do clube.
Na manhã de ontem, a lavadeira Tereza Gomes de Morais, 65, funcionária do União Barbarense há dez anos, enquanto fazia, à mão, seu serviço, lavando os uniformes de todas as equipes de futebol do clube, relatou a pequena reviravolta em seu cotidiano.
"Depois dessa classificação, eles agora querem mais capricho no serviço. Troquei até a marca do sabão em pó. A firma não gosta que eu ultrapasse minha carga horária, de oito horas, mas não estou conseguindo dar conta do recado em menos de 12 horas. Agora não é só no campo que o time tem que brilhar. Tem que ter brilho na camisa também", afirma ela.
Resignada quanto à realidade de não ter uma máquina para trabalhar, dona Tereza, que usa um único tanque para lavar toda a roupa, faz pelo menos uma reivindicação: "Queria muito que comprassem pelo menos mais dois tanquinhos para mim".



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