São Paulo, sábado, 21 de agosto de 2004

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Bola dentro

Com recorde olímpico de gols, esquecidas lutam agora pelo 1º pódio

FÁBIO SEIXAS
ENVIADO ESPECIAL A HERAKLIO

O time dá show. Cristiane é artilheira do torneio. Andréia, a goleira, só foi vazada duas vezes. Rosana aplicou um chapéu ontem e, em outro lance, matou a bola no peito e tocou para Formiga fazer um de seus gols. Marta pedalou, deixou uma rival no chão, golaço.
Mas elas se sentem sós, carentes. E têm motivos para isso.
Elas jogam futebol e ontem à noite, em Heraklio, na ilha de Creta, com um estádio vazio, igualaram o melhor desempenho do país em Olimpíadas. Com sua segunda goleada consecutiva, 5 a 0 sobre o México, classificaram a seleção feminina às semifinais.
Na pior das hipóteses, deixarão a Grécia com um quarto lugar. Resultado idêntico aos de Atlanta-96 -estréia das mulheres nos gramados- e de Sydney-2000.
Pelo que vêm fazendo em campo, porém, a chance de medalha nunca foi tão grande. Alguns tabus elas já quebraram. Nunca nenhum time havia marcado 13 gols num torneio olímpico feminino. Nunca antes o Brasil havia ganho três vezes em Jogos ou sofrido tão poucos gols. Mas há ainda outros a estraçalhar. O maior deles: a solidão.
Desde que começou sua campanha na Grécia, por exemplo, a equipe só foi visitada duas vezes por um dirigente do COB. Chefe de missão do Comitê Olímpico Brasileiro, Marcus Vinícius Freire esteve na estréia, em Tessalônica, dia 10, e reapareceu em Heraklio.
Tratamento semelhante ao recebido da própria CBF. Na Grécia, representando a Fifa na comissão de arbitragem dos Jogos, Ricardo Teixeira viu a primeira partida. No dia 13, assistiu à festa de abertura. No sábado, deixou a Grécia, algo difícil de imaginar caso a seleção masculina tivesse conseguido sua classificação para os Jogos.
"Seria legal se a gente tivesse um pouco mais de atenção das instituições", disse ontem, depois da partida, a zagueira Aline. "Mas talvez só uma medalha mude isso, abra alguns olhos."
Talvez. Mas os olhos, por ora, estão bem fechados. O futebol é um tipo de pária olímpico. O feminino, mais ainda. E o do Brasil tem seu adicional de problemas.
Fifa e COI vivem às turras. Há, ainda, o antigo preconceito contra mulheres jogando bola.
E, no Brasil, o futebol feminino, embora "menos profissional" do que outras modalidades olímpicas, recebe menos dinheiro.
Dos esportes que representam o país em Atenas, o futebol é o único que não ganha um centavo da Lei Piva. Ironia do destino, é um dos que vêm mostrando de modo mais flagrante a tal "evolução técnica" decantada pelo discurso de Carlos Artur Nuzman, presidente do COB, para justificar o uso das verbas das loterias.
Na Grécia, há outros agravantes para a solidão. A seleção ainda não atuou em Atenas. E não sentiu -nem vai sentir totalmente- o gostinho da Vila Olímpica.
A delegação ficou três dias na Vila, antes de viajar para Tessalônica. Vai repetir a dose caso vá à final. Antes, porém, terá que passar pela irregular Suécia, que ontem fez 2 a 1 na Austrália.
A semifinal será em Patras, na segunda-feira. No mesmo dia, em Heraklio, EUA e Alemanha decidem a outra vaga para a final.
Caso repita os desempenhos dos 7 a 0 sobre a Grécia, na terça, e do jogo de ontem, o time de Renê Simões não terá grandes problemas para chegar à final. Apenas o de sempre. A solidão.


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