São Paulo, sábado, 21 de agosto de 2004

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FUTEBOL

Uma alegria para sempre

JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA

Eu me rendo. A festa haitiana para a seleção brasileira foi comovente. Antes do jogo, eu havia colocado em discussão aqui a utilização do futebol para fins político-diplomáticos, mas o que se viu em Porto Príncipe transcende claramente os quadros da política imediata.
O delírio da população haitiana que acompanhou o desfile da seleção em carro aberto foi algo tão impressionante que me vieram à mente imagens semelhantes de uma visita de Chaplin à Rússia, ou da primeira excursão dos Beatles aos Estados Unidos. São momentos em que algum tipo sublime e misterioso de comunicação humana ultrapassa os limites da ideologia e do mercado.
Hoje sabemos que a afeição popular pelos ídolos anda muito distorcida e banalizada, em decorrência da criação de celebridades instantâneas, que desaparecem com a mesma rapidez com que foram criadas.
Agora mesmo, estou presenciando uma manifestação do fenômeno no Festival de Cinema de Gramado. Multidões de jovens entram em histeria ao avistar o galã da nova novela das seis, ou a moça que participou do último Big Brother. Há um curioso nivelamento, para não dizer uma inversão de valores. No mercado das celebridades, a cotação de uma Fernanda Montenegro pode ser eventualmente menor que a de uma Bárbara Paz, dependendo da novela que uma ou a outra estiver estrelando.
Mas o que se viu em Porto Príncipe não tem nada a ver com a mídia, o marketing, a indústria da celebridade. Foi, até onde nos é possível perceber, uma manifestação espontânea de afeto e admiração por artistas de verdade.
Para nós, que estamos habituados a acompanhar e até a exigir um certo nível de excelência futebolística, talvez seja difícil imaginar o que sente um haitiano diante de um Ronaldo, um Ronaldinho ou um Roberto Carlos.
Como me escreveu um leitor, dá uma certa alegria pensar que enviamos ao mundo atletas extraordinários, em vez de bombardeiros.
Mesmo os EUA, que semeiam pelo planeta suas bombas mortíferas e seus ameaçadores porta-aviões, e que inundam os cinemas e as rádios do mundo com muito lixo comercial, também nos mandam coisas sublimes, da música de Miles Davis ao cinema de Orson Welles e Francis Coppola.
Ao fazer a jogada genial do terceiro gol contra o Haiti, Ronaldinho não era só gaúcho, nem só brasileiro, não estava a serviço de Lula, nem a serviço da ONU.
Era simplesmente um ser humano mostrando a outros seres humanos as alturas a que nossa espécie pode aspirar, quando se desembaraça das mesquinharias do dia-a-dia. "Homem comum tocando o céu", como diz Chico Buarque numa canção chamada, apropriadamente, "Futebol".
Um momento de poesia como aquele pode iluminar muitas vidas sombrias. Pois, para citar outro poeta, o inglês John Keats, "uma coisa bela é uma alegria para sempre". Valeu, Ronaldinho, artista do povo.

Disputa acirrada
Algumas surpresas no meio da semana embolaram mais ainda a tabela e impediram que o Santos disparasse na liderança. Isso é bom para o campeonato, pois mantém a disputa acirrada. O interessante será observar o desempenho e o fôlego dos times "médios" (Ponte Preta, Juventude e Goiás) na luta contra os ex-campeões Santos, São Paulo, Palmeiras e Atlético-PR.

Novas velhas caras
O jogo contra o Haiti obviamente não serviu como "teste", mas algumas experiências foram interessantes, como a utilização de Magrão, Pedrinho e Nilmar. O atacante do Inter foi muito bem. Mas a melhor notícia da seleção, a meu ver, foi a convocação de Robinho para o jogo contra a Bolívia.

E-mail
jgcouto@uol.com.br


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