São Paulo, domingo, 21 de dezembro de 1997.



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FUTEBOL
Francês Fontaine, que marcou 13 no Mundial de 58, considera Ronaldinho o mais completo e quer espetáculo
Falta ataque, diz maior goleador de Copas

LUIZ ANTÔNIO RYFF
da Reportagem Local


O francês Just Fontaine, 64, não é supersticioso. Ele adora o número 13. Foram 13 os gols marcados em seis jogos na Suécia, em 58, que fizeram dele o maior artilheiro de todas as Copas.
"Há sempre um 13 na minha vida. Minha casa é no número 13 da rua", brinca.
Seu recorde comemora 40 anos no próximo ano, e Fontaine pretende fazer uma grande festa no dia seguinte às semifinais da Copa da França, com os principais artilheiros dos mundiais.
Ex-técnico do Paris Saint-Germain e da seleção marroquina -ele nasceu em Marrakech, quando o país era colônia francesa- e membro do comitê organizador da Copa do Mundo, Fontaine acha que, em 98, a disputa será equilibrada. E dá um alerta.
"Não se pode mais jogar a Copa do Mundo achando que existem jogos fáceis. Isso acabou."
Fontaine conhece bem o futebol brasileiro. Cita Edmundo. "Dizem quem é um pouco louco, com um caráter meio complicado, que briga com juízes."
Pela seleção francesa, Fontaine atuou 21 vezes e fez 30 gols. "E nenhum de pênalti", frisa. Seu ápice foi na Copa de 58, quando jogou com as chuteiras de seu reserva.
"Dois dias antes da Copa, minhas chuteiras arrebentaram. Meu reserva me emprestou as dele. Foi com elas que eu marquei os 13 gols. Depois eu devolvi as chuteiras. Um verdadeiro artilheiro marca gols até descalço", diz ele, que se aposentou em 60 e hoje cuida de duas lojas em Toulouse (sul da França).
Leia abaixo trechos da entrevista por telefone concedida por Fontaine à Folha.
"Folha? Isso me lembra o Didi e sua folha seca", brinca.

Folha - O sr. marcou 10% dos gols da Copa de 58...
Just Fontaine -
Eu não sabia disso. Quer dizer que eu sou o senhor 10%? Pena que eu não tenha tido comissão de 10% (risos).
Folha - Como explica a marca?
Fontaine -
Não há segredo. Eu jogava em uma equipe ofensiva, e em 1958 todas as equipes jogavam de maneira ofensiva.
Eu estava em plena forma. Havia feito uma operação de meniscos em dezembro. Antes da Copa, tinha marcado 34 gols em 26 jogos. Fui o artilheiro do campeonato. Aquele foi o meu ano.
Folha - Quais são suas lembranças mais fortes de 58?
Fontaine -
Lamento ter pegado o Brasil com dez jogadores apenas. O nosso beque central (Jonquet) se machucou, e tivemos que jogar com dez (na época não eram permitidas substituições) por mais de uma hora. O jogo estava 1 x 1 (terminou Brasil 5 x 2 França).
Se 11 contra 11 já era duro, com 10 era missão impossível. Se estivéssemos com 11 não sei dizer o que aconteceria. Provavelmente, o Brasil ganharia, pois era um grande time, mas menos facilmente.
As melhores lembranças que tenho são de ter sido o primeiro a marcar um gol contra o Brasil, que ainda não tinha tomado nenhum, e ter feito 13 na Copa.
Folha - Muitos acham que Brasil x França foi o melhor jogo da Copa. Era o melhor ataque (França) contra a melhor defesa (Brasil).
Fontaine -
Enquanto tínhamos Jonquet, realmente foi um belo jogo. Depois, ficou desequilibrado.
O Brasil tinha uma equipe completa. Tinha uma defesa muito boa, um bom goleiro, o que nem sempre foi o caso, em se tratando do Brasil. Djalma Santos e Nílton Santos eram qualquer coisa...
O Brasil tinha dois apoiadores muito técnicos e experientes, pois Didi era capitão do Botafogo, e Zito era capitão do Santos. Tinha Pelé, que despontou na Suécia, e Garrincha, na direita, o melhor ponta que o futebol já teve. Zagallo era experiente, e Vavá, um grande artilheiro. Uma equipe completa.
Folha - Superior à equipe de 70?
Fontaine -
Era mais equilibrada. Em 70 havia uma bela equipe, principalmente na frente. A defesa não era boa. Félix era inferior a Gilmar, e, tirando o Carlos Alberto, a defesa não era lá essas coisas.
Folha - Como foi enfrentar Pelé em 58?
Fontaine -
Pelé foi o melhor do mundo. Está no cume do futebol. Logo abaixo está (o argentino) Di Stéfano, que não teve a sorte de jogar uma Copa. E mais abaixo estão os outros, Cruyff, Maradona, Beckenbauer, Platini, Kopa... E existe um lugar à parte para Garrincha. Foi o mais impressionante ponta-direita que já vi jogar.
Folha - O sr. jogou contra Zagallo. O que acha dele como jogador?
Fontaine -
Era um jogador inteligente, pois não tinha grande força física e estava sempre bem posicionado. E tinha boa técnica.
Folha - E como técnico?
Fontaine -
Ele conseguiu bons resultados. Foi o treinador de 1970 e, em 94, ganhou a Copa do Mundo, como auxiliar do técnico.
Folha - No Brasil, ele recebe algumas críticas...
Fontaine -
O problema é que o Brasil tem tantos bons jogadores que fica difícil escolher e agradar a todos. Além disso, todo mundo por aí é treinador.
Em 94, o Brasil era a melhor equipe, mas não produzia um espetáculo tão bom quanto o time de 58 ou 70, ou mesmo o de 82. Há vários jogadores que atuaram em 94 que não entrariam em seleções brasileiras de outras épocas.
Folha - Em 58, a seleção francesa jogava no ataque. Hoje...
Fontaine -
Não é o caso (ri). A França tem jogadores bons para ser campeã, mas, se jogar só com um atacante, não tem chance.
Folha - O sr. acredita na França?
Fontaine -
Claro. Se jogarmos com dois atacantes enfiados. Mas acho que isso não acontecerá.
Folha - Marrocos se classificou para a Copa (dirigido por Henri Michel, que treinava a França quando ela desclassificou o Brasil em 86). O sr. torce por Marrocos?
Fontaine -
Eu sou francês. Tenho simpatias por Marrocos. É a minha segunda equipe. Mas eu torço também pelo Brasil. Acima de tudo eu gosto de bom futebol.
Folha - O sr. acredita que as equipes africanas têm chance na Copa?
Fontaine -
Sim. As chances aumentam com o tempo. Agora eles têm bons jogadores, que atuam no exterior e, se treinarem e se alimentarem como os europeus ou brasileiros, podem se impor. Não há raça superior no futebol.
Folha - Quais os favoritos?
Fontaine -
É difícil fazer essas previsões seis meses antes. É preciso ver as equipe após o início da competição. Por isso, aponto os mesmos de sempre: Brasil, Alemanha, Itália, Inglaterra e, talvez, a Argentina. Talvez haja alguma surpresa. A Nigéria ou outra equipe africana, ou a Colômbia. Não se pode mais jogar a Copa achando que existem jogos fáceis. Acabou.
Folha - O sr. acredita que hoje é mais difícil fazer gols?
Fontaine -
Ao contrário. Quando um jogador corre sozinho em direção ao gol e é derrubado, o adversário ganha cartão vermelho. Antes, podiam bater à vontade.
Hoje, existe uma série de argumentos que deveriam dar aos treinadores o desejo de jogar para a frente. Eles preferem a prudência. Se um treinador se lixa para o espetáculo porque quer ganhar, eu estou de acordo -se as pessoas não tiverem que pagar por isso.
Se não existem espectadores, que joguem como quiserem. Se há público, é preciso oferecer um espetáculo. Mas sempre buscando a vitória. Não é porque se joga bem que não é preciso ganhar.
Folha - O sr. acha que hoje é mais difícil superar sua marca?
Fontaine -
Não. O problema é que se joga com cada vez menos atacantes. E, quando estabeleci o recorde, não pensava em fazê-lo. Se alguém ficar pensando nisso não vai conseguir fazer.
Folha - Qual é o atacante mais completo hoje?
Fontaine -
É o Ronaldinho. Ele tem uma grande qualidade em relação aos outros. Nasceu no mesmo dia da minha mulher (22 de setembro). É o único que me dá medo, pois minha mulher é a única pessoa com quem eu baixo a voz, que eu deixo me dominar.



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