|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Venci o preconceito, afirma Marta
Melhor do mundo conta que sofreu por jogar com homens e duvida que seu título mude o futebol feminino no país
Em entrevista à Folha, meia alagoana também reclama da falta de alegria na Suécia e diz que batia nos garotos que não a respeitavam
Cezar Loureiro/Agência O Globo
|
A meio-campista Marta beija o troféu de melhor jogadora do mundo em 2006 durante o desembarque no aeroporto do Galeão |
SÉRGIO RANGEL
DA SUCURSAL DO RIO
Eleita a melhor jogadora do
mundo, a alagoana Marta, 20,
foi aplaudida por mais de cem
pessoas ontem de manhã no saguão do aeroporto do Galeão,
no Rio, e assediada pelos jornalistas logo após chegar ao país.
O reconhecimento e a fama
são novidades para a jogadora,
nascida em Dois Riachos, onde
chegaria ontem à noite.
Em entrevista à Folha, Marta disse que a sua conquista é
uma vitória contra o preconceito. Contou que até aos 14
anos só jogava em times masculinos e teve que dar ""porrada" nos meninos para conquistar o seu sonho. ""Ouvi muitas
besteiras dos homens, mas valeu a pena", disse a primeira
brasileira eleita pela Fifa.
FOLHA - Como foi o início da sua
carreira?
MARTA - Muito difícil. Comecei
com sete anos, na minha cidade. Como não tinha meninas
que gostavam de futebol, jogava
com os meninos. Dali, fui jogar
futsal em uma cidade vizinha.
Mais tarde, com 12 anos, fui para o CSA, um time grande do
meu Estado. Em todas essas
equipes, jogava com meninos.
Era a única garota entre eles.
FOLHA - Como era esta convivência, havia muito preconceito?
MARTA - Bastante. Ouvi muitas
besteiras. Alguns diziam que eu
não podia jogar por ser mulher.
Outros falavam que eu era macho. Isso machucava muito. Eu
era criança e ouvia aquilo tudo.
Mas eles me aturavam porque,
dentro de campo, eu fazia a diferença. Fora isso, tinha a proteção dos meus primos, que jogavam no mesmo time e me
ajudavam, davam bronca nos
outros. Eu também sabia me
defender. Quando ficava irritada, partia para a porrada. Briguei muito. Com 14 anos, decidi
vir para o Rio [jogar no Vasco],
e as coisas melhoraram.
FOLHA - Qual o significado desta
conquista para você?
MARTA - Foi demais. Acho que
é uma vitória contra o preconceito. Espero que não exista
mais isso no país. Espero que as
pessoas apóiem sempre as meninas dentro de um campo de
futebol e em todos os lugares.
FOLHA - Como era sua vida em
Dois Riachos?
MARTA - Sou filha de um cabeleireiro e de uma zeladora da
prefeitura. Com meu pai, perdi
o contato logo que nasci. Nunca
mais o vi depois que completei
um ano. A minha mãe e o meu
irmão, que é dez anos mais velho, foram fundamentais na
minha vida. Sempre me apoiaram e me ajudaram. Enquanto
os outros me criticavam, minha
mãe me incentivava. Ela nunca
brigou comigo por causa do futebol. Dizia que colocava na
mão de Deus. Eu vivia na rua jogando bola, andando a cavalo.
Estudei somente até a quinta
série e me dediquei ao futebol.
FOLHA - Seu título pode ajudar o
esporte a crescer no Brasil?
MARTA - Acho difícil. Os clubes
não investem no futebol. Gostaria de que uma liga fosse criada para manter as meninas em
atividade. Temos ótimas jogadoras aqui. É uma situação
muito chata a do Brasil. Falo
sempre, por telefone, com muitas jogadoras da seleção. Muitas reclama do desemprego.
FOLHA - Os dois anos na Suécia lhe
deram independência financeira?
MARTA - Já deu para ganhar
um dinheirinho, mas não sou
nenhum Ronaldinho. Meu salário não se compara aos de
grandes estrelas do masculino.
FOLHA - Como foi deixar Dois Riachos e morar na Suécia?
MARTA - É uma diferença muito grande. Não existe pobreza,
violência, a vida é bem mais calma, mas falta alegria. Quero
muito chegar em casa e ver minha família. Fazer uma festa
grande por esta conquista.
Texto Anterior: Carlos Sarli: Guerra feita de batalhas Próximo Texto: Celebridade: Jogadora quer três dias de festa Índice
|