São Paulo, quinta-feira, 21 de dezembro de 2006

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Venci o preconceito, afirma Marta

Melhor do mundo conta que sofreu por jogar com homens e duvida que seu título mude o futebol feminino no país

Em entrevista à Folha, meia alagoana também reclama da falta de alegria na Suécia e diz que batia nos garotos que não a respeitavam

Cezar Loureiro/Agência O Globo
A meio-campista Marta beija o troféu de melhor jogadora do mundo em 2006 durante o desembarque no aeroporto do Galeão


SÉRGIO RANGEL
DA SUCURSAL DO RIO

Eleita a melhor jogadora do mundo, a alagoana Marta, 20, foi aplaudida por mais de cem pessoas ontem de manhã no saguão do aeroporto do Galeão, no Rio, e assediada pelos jornalistas logo após chegar ao país. O reconhecimento e a fama são novidades para a jogadora, nascida em Dois Riachos, onde chegaria ontem à noite. Em entrevista à Folha, Marta disse que a sua conquista é uma vitória contra o preconceito. Contou que até aos 14 anos só jogava em times masculinos e teve que dar ""porrada" nos meninos para conquistar o seu sonho. ""Ouvi muitas besteiras dos homens, mas valeu a pena", disse a primeira brasileira eleita pela Fifa.
 

FOLHA - Como foi o início da sua carreira?
MARTA
- Muito difícil. Comecei com sete anos, na minha cidade. Como não tinha meninas que gostavam de futebol, jogava com os meninos. Dali, fui jogar futsal em uma cidade vizinha. Mais tarde, com 12 anos, fui para o CSA, um time grande do meu Estado. Em todas essas equipes, jogava com meninos. Era a única garota entre eles.

FOLHA - Como era esta convivência, havia muito preconceito?
MARTA
- Bastante. Ouvi muitas besteiras. Alguns diziam que eu não podia jogar por ser mulher. Outros falavam que eu era macho. Isso machucava muito. Eu era criança e ouvia aquilo tudo. Mas eles me aturavam porque, dentro de campo, eu fazia a diferença. Fora isso, tinha a proteção dos meus primos, que jogavam no mesmo time e me ajudavam, davam bronca nos outros. Eu também sabia me defender. Quando ficava irritada, partia para a porrada. Briguei muito. Com 14 anos, decidi vir para o Rio [jogar no Vasco], e as coisas melhoraram.

FOLHA - Qual o significado desta conquista para você?
MARTA
- Foi demais. Acho que é uma vitória contra o preconceito. Espero que não exista mais isso no país. Espero que as pessoas apóiem sempre as meninas dentro de um campo de futebol e em todos os lugares.

FOLHA - Como era sua vida em Dois Riachos?
MARTA
- Sou filha de um cabeleireiro e de uma zeladora da prefeitura. Com meu pai, perdi o contato logo que nasci. Nunca mais o vi depois que completei um ano. A minha mãe e o meu irmão, que é dez anos mais velho, foram fundamentais na minha vida. Sempre me apoiaram e me ajudaram. Enquanto os outros me criticavam, minha mãe me incentivava. Ela nunca brigou comigo por causa do futebol. Dizia que colocava na mão de Deus. Eu vivia na rua jogando bola, andando a cavalo. Estudei somente até a quinta série e me dediquei ao futebol.

FOLHA - Seu título pode ajudar o esporte a crescer no Brasil?
MARTA
- Acho difícil. Os clubes não investem no futebol. Gostaria de que uma liga fosse criada para manter as meninas em atividade. Temos ótimas jogadoras aqui. É uma situação muito chata a do Brasil. Falo sempre, por telefone, com muitas jogadoras da seleção. Muitas reclama do desemprego.

FOLHA - Os dois anos na Suécia lhe deram independência financeira?
MARTA
- Já deu para ganhar um dinheirinho, mas não sou nenhum Ronaldinho. Meu salário não se compara aos de grandes estrelas do masculino.

FOLHA - Como foi deixar Dois Riachos e morar na Suécia?
MARTA
- É uma diferença muito grande. Não existe pobreza, violência, a vida é bem mais calma, mas falta alegria. Quero muito chegar em casa e ver minha família. Fazer uma festa grande por esta conquista.


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