São Paulo, sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008

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XICO SÁ

Eu vi o menino dormindo


As pelejas do Paulista estão funcionando como o mais poderoso dos ansiolíticos, e a crise não é de falta de craques


A MIGO TORCEDOR , amigo secador, se você tem aquele moleque inquieto, ativo além da conta, que não cessa as danações nem mesmo diante das piruetas do Chaplin ou do mais genial dos videogames, seus problemas acabaram. Basta levar o peralta para ver algum jogo do Campeonato Paulista.
Não foi com essa intenção que o meu chapa Ronaldo levou o Lorenzo ao Morumbi no domingo, mas a partida funcionou como o mais poderoso dos ansiolíticos. O galeguinho sofreu para agüentar a peleja. Além de ficar trelelé com a feiúra da camisa do Bragantino. Que uniforme é esse, brava gente da terra da lingüiça? Logo o Braga, que teve belas camisas honradas pelo Mauro Silva.
A sorte do Lorenzo é que o Sócrates deu as caras, e o pai, na sua pedagogia, sacou da cachola o verbete "democracia corintiana". O embate, bem, pulemos o parágrafo. Aí o amigo que, cheio das razões, não leva mais o filhote ao estádio, indaga: "E jogo na TV, também funciona como calmante para os meninos?". Olha, ainda não transmiti o legado da minha miséria, mas a bicharada não acordou ainda desde o segundo tempo de Rio Preto x Santos. A bicharada, entenda-se, o papagaio Flobé e o corvo Edgar. Só o gato Virgulino escapou -estava no teto de zinco quente com a Felícia.
Mas bom mesmo, amigo, é levar a criança ao estádio. Aproveite a reabertura do Parque Antarctica e leve o pestinha. O Valdivia pode acordá-lo em algum momento, mas a maior parte do jogo será um sossego. Na Vila Belmiro, então, o moleque vai dizer uns três palavrões, em portunhol ludopédico, claro, por causa dos hermanos, e cairá nos braços de Morpheu como se estivesse sedado.
O único jeito, como me sopra o Paulo Mendes Campos, é expulsar os técnicos. Deixá-los incomunicáveis, sem rádio, sem linguagem dos surdos-mudos, sem código. Se der moleza, passam a modorra ao campo num piscar de olho. Mas passemos a latinha ao glorioso cronista botafoguense, autor da receita infalível: "E, se não quiserem mexer nas regras para salvar o futebol, há uma outra solução, embora utópica: acabarem para sempre com os treinadores. Sem os técnicos, talvez a rapaziada conseguisse devolver ao futebol a pureza do brinquedo".
Não dá para pensar que os boleiros estejam jogando assim de propósito. A crise, amigo, não é de falta de craques. Pare diante de qualquer pelada de rua, como a dos garis debaixo do Minhocão, aqui em São Paulo, e verá que não há como fazer um espetáculo tão sonífero como o futebol atual em plagas bandeirantes.
Não sei se o leitor aí de outro Estado tem usado a terapia do sono ludopédico com os seus guris, piás e pirraias ou o uso é restrito a estas terras. O Ferla, um chapa gremista, conta que já roncou muito, na infância, na Baixada Melancólica, o campo do Inter de Santa Maria. Também em terras gaúchas o Lanzeta dormia no cimento da Boca do Lobo, a casa do Pelotas. No Pedra Moura, ninguém nunca dormiu, principalmente com o Beto Bacamarte, beque do Grêmio de Bagé, em campo. É, amigo, eu vi o menino dormindo, e não correndo, como canta o Rei na clássica "Força Estranha". Isso é grave. É, amigo, eu vi o tempo, de tão parado que estava naquela tarde sem fim no Morumba.

xico.folha@uol.com.br


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